Uma lenda viva dos videogames decidiu ser Youtuber

Em meio a lançamentos, anúncios de demos, whishlists e os caralhos, o que mais me chamou atenção foi uma especificidade nas notícias. Uma coisa bem interessante passou batida, e é meu dever retomá-la. O ano de 2019 fez parte de uma época aparentemente foi muito significativa para o desenvolvedor japonês Masahiro Sakurai. Isso porque naquele ano encerrava-se um ciclo profissional relevante não só para Sakurai mas também para a indústria como um todo. Era o último pacote de conteúdo adicional lançado para o Super Smash Bros. Ultimate, com o protagonista da série Kingdom Hearts, Sora.  É curioso estar escrevendo isso no momento em que Multiversus chegou a 20 milhões de jogadores e aparentemente promete ocupar esse lugar até que a Big N pense em uma forma para retomar a franquia.

É também curioso notar que esses ciclos dentro do mundo dos videogames tornam-se ainda mais interessantes quando temos pessoas que observam, analisam, criticam a forma e a relevância da forma e do conteúdo para melhorar a arte em si. E neste caso em específico após, como revelou em uma entrevista em 2019, aparentemente ter dado uma volta de carro ao redor do Japão — o que faria nas férias — Sakurai apresentou esta semana uma nova etapa de sua carreira: a de ser um YouTuber.

Neste novo desafio o desenvolvedor japonês criador de jogos clássicos, principalmente para Nintendo, tratará de assuntos relacionados a game design e o desenvolvimento de jogos. Eu sempre fui um fã deste tipo de conteúdo, principalmente por ser extremamente valoroso a entender questões que podem ser refletidas e prolongadas em críticas e artigos.

É notável observar Sakurai, uma quase lenda viva na indústria, querer compartilhar um pouco da sua experiência e, neste meio tempo, apresentar um pouco da filosofia que vemos em jogos, não só da Nintendo, mas japoneses em geral.

O que chamou a minha atenção no último vídeo o de Kirby’s Dream Land foi o que motivou o desenvolvedor a optar por um estilo de jogabilidade específico para o primeiro título de Kirby para um console portátil. E levantar esse tipo de discussão, principalmente de quem participou e muitas vezes originou isso, é bastante agradável. Como o próprio desenvolvedor afirmou, isso será feito com demonstrações liberadas pela Nintendo, rascunhos e anotações pessoais, que permitirão uma melhor avaliação sobre o ofício de se fazer videogames. Como ele mesmo diz em determinado ponto de um dos vídeos, “seria um desperdício não fazê-lo”.

Diversão democrática
O que motiva esse desenvolvedor fino, de feições espontâneas, características que lhe permitiram liderar os tão aguardados anúncios de novos lutadores para o jogo em transmissões da Nintendo, parece ser algo tão simples e espontâneo quanto o que mostra nos vídeos: “quer ensinar conceitos dos jogos como maneira pra torná-los mais divertidos”.

Em meio a uma atualidade tão mordaz e odiosa, é fácil e até tentador notar tal consideração com um certo cinismo. Eu diria que, dado o processo, é também natural. O que, no entanto, chama a atenção em Sakurai é que a própria escolha por criar um canal parece um caminho tão natural quanto o de achar duvidoso. Mas é, no mínimo, curioso.

Não consigo deixar de pensar que se torna super empolgante vivermos numa época em que o contato com um cara que tem tanta importância na indústria é de super fácil acesso.

Eu sou da vertente de que nenhum conhecimento é dispensável. Mesmo que eu saiba o mínimo de game design, assistir esses vídeos tem sido algo instigante para pensar aspectos inclusive em outras áreas.

Para mim é interessante observar e avaliar os momentos de tomadas de decisões criativas por parte de Sakurai ao longo de sua carreira. Isso aconteceu de forma muito curiosa no vídeo mais recente do artista, sobre Kirby’s Dream Land. Observar a estrutura lógica de escolhas específicas como qual seria a jogabilidade ideal para usar o sistema de Kirby’s Dream Land como uma porta de entrada a novos jogadores.

Nos anos 90 os jogos, especialmente os do Nintendo original, eram considerados difíceis. E isso tem uma explicação lógica. À época, não só a limitação de memória dos cartuchos obrigava desenvolvedores a criar sistemas mais simples como também menos brandos, com menos possibilidade de todo tipo de conteúdo. Logo, o jogo não era feito apenas para fazer o jogador pagar mais fazendo chover fichas na tela do Arcade, mas fazê-lo valer o custo. Eram jogos realmente feitos para durar. E como fazer isso? Por que não um esgoto com plataformas absurdas como em Teenage Mutant Ninja Turtles (1989)? Me perdi um pouco. Mas isso tem tudo a ver.

E é nesse efeito que Sakurai pensou em lançar Kirby’s Dream Land. Jogos de ação sofriam muito mais com isso, mas se os jogos fossem muito difíceis teria todo um público que não jogaria experimentaria a musiquinha mágica tocada após a conclusão de uma fase em Kirby. Logo, Dream Land foi pensado como um jogo de entrada para vários novos jogadores. O que influenciou seu design e, na minha opinião, acabou sendo um dos momentos determinantes para definir uma marca de identidade estética à Nintendo.

Sakurai menciona que Kirby foi um dos jogos de “better feeling”  (melhor sensação) já feitos, e eu concordo bastante com isso. Por em Dream Land haver um aspecto que considero essencial na particularidade de se pensar um jogo: como tornar uma mecânica simples em uma mecânica simples e recompensadora?

No caso de Kirby, o próprio fato de haver uma pausa em um momento em que o inimigo te atinge ou que o jogador sagra-se vitorioso, é um elemento deliberado que tem influência na experiência do jogador. O mesmo ocorre com a fluidez de sua movimentação, não só horizontal como vertical, ou nas pepitas sonoras quando o jogador conclui uma fase ou descobre um segredo.

O apreço por escolhas em detalhes como as músicas, as pausas, os momentos de ação do jogo, são particularidades que também acabaram fazendo parte de uma obra maior, moldada sobre uma filosofia que hoje observa-se principalmente nos jogos da Nintendo. Aproveitando isso, eu queria muito saber o que o Sakurai acharia de Multiversus…

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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