O icônico puzzle das alavancas em determinado momento da aventura em Final Fantasy VII Remake é uma perfeita metáfora sobre sua essência. Além de personificar um dos momentos mais conhecidos do jogo de 1997, a passagem da nova versão reflete claramente que o Remake não fugiu da sua própria fonte identitária, acrescentando elementos adicionais interessantes - ainda que em momentos se estenda um pouco mais do que o necessário… Como o próprio puzzle.
Vinte e três anos após o lançamento do jogo original no ocidente, o remake de FF aumentou a obra em conteúdo e proporção, incluindo características difíceis de serem replicadas do original, como uma maestria gráfica à frente de sua geração, combate excepcional e uma das melhores trilhas sonoras da história dos videogames.
Assim como no jogo de 97 você assume o papel de Cloud Strife, um mercenário ex-soldado da Soldier, um tipo de organização paramilitar subalterna à Shinra, corporação que funciona basicamente como o próprio estado em Midgar, onde o jogo se passa.
O “novo” Cloud, naturalmente, é a primeira demonstração de como o título consegue adaptar o desenho dos personagens originais para a atualidade e dá-los propósito dentro daquele universo sem perder a identidade - que, pensando bem agora, já era feito incrível em se tratando de um amontoado de polígonos.
A história nos coloca ao lado de outros heróis, os membros da Avalanche, uma organização de combatentes e ativistas ecológicos contrários ao “domínio” da Shinra e o uso desregrado da energia vital do planeta para o uso na vida cotidiana. Um interessante potencial narrativo, perdido a um bom custo, todavia, para dar lugar a alguns acréscimos bem humorados ou que aprofundam a história de outros aliados.
Ainda que o jogo não ultrapasse a barreira de uma demonstração rasa do arquétipo do anti-herói misterioso com Cloud, é possível acompanhar a indicação de mudança do personagem no decorrer da história em pequenos detalhes, como um gesto mais humano em uma mão no ombro de um amigo ou o esboço de um sorriso. São sinais pontuais que tornam-se relevantes ao observar o passado do protagonista, forçado pela milícia a desumanizar-se a fim de servir o propósito de uma máquina de batalha.
Outros personagens da Avalanche, Barret, Tifa e posteriormente Aerith, são reflexo de como os desenvolvedores da Square Enix souberam melhor do que ninguém o coração do que muitos dos fãs consideram o maior título de sua série mais renomada. As figuras são perfeitamente representativas de suas versões anteriores, cada qual com seu modo singular. É o que dá ainda mais impacto ao jogador no momento em que ocorre o evento mais impactante de FF VII.
E conhecerás os deuses e o universo
A trilha sonora de Final Fantasy VII Remake é seu ponto mais alto. Além de ter ganho uma conversão em escalas épicas com a tutela de uma performance orquestrada, com isso os desenvolvedores parecem demonstrar que esse era um aspecto imprescindível para que o Remake fosse bem sucedido. No original, a música tornou-se um clássico da indústria até para quem não é fã da série.
O jogo parece saber quais canções se encaixam perfeitamente na ambientação épica e única de VII. Isso abrange momentos excepcionais como sutis notas de outras músicas que permeiam momentos da história, referenciando aos personagens e temas atrelados à melodia. Exemplo fundamental disso são os diversos momentos em que nos deparamos com as notas de One Winged Angel ao longo da história, sempre precedendo ou construindo o embalo para a aparição do próprio ‘anjo de uma asa só’ em alguma visão de Cloud.
Outro aspecto que mostra esse conservantismo positivo da Square está no combate. O jogo foi na contramão de seu homônimo e “atualizou” a mecânica de combate por turno para um combate mais ativo. Ainda assim, isso não significa que o remake seja um hack n’ slash, uma vez que pensar em estratégias para derrotar os inimigos é artifício fundamental. Fica aqui o conselho para fazer isso antes de sofrer com o boss final, inclusive.
A mecânica de proficiência com as armas é outra demonstração desse dinamismo trazido ao sistema de combate do remake. Aqui, ao invés do conhecido empreendimento de pontos de classe para o desbloqueio de habilidades, o jogo incentiva o uso armas diferentes para desbloquear habilidades próprias a elas. Posteriormente essas mesmas skills podem ser usadas com outras armas.
É difícil falar de gráficos em videogames, principalmente no momento em que beiramos o ‘uncanny valley’ com os jogos. Todavia neste caso o histórico pesa mais. À época em que foi lançado para o PlayStation, FF VII foi considerado um dos jogos mais bonitos da plataforma, isso junto a uma jogabilidade redonda, complementada por especificidades cativantes como a fanfarra de vitória ao final das batalhas e o próprio puzzle da alavanca.
É evidente que no remake parte desse legado ‘inovador graficamente’ foi preservado. As transições fluidas entre cutscene e gameplay demonstram isso. O jogo brinca com essa possibilidade inclusive em um dos momentos mais bizarramente fantásticos, com um minigame de ritmo no Honeybee Inn, criando uma experiência que apenas pode ser resumida com um ‘uau’. Outros exemplos pontuais dessa perícia gráfica podem ser vistos nos clássicos summons ou em qualquer momento em que você usar o menu durante uma batalha.
Logicamente a mesma qualidade gráfica serve para a construção de um cenário lindo. Ainda que soturnamente ultra industrial e urbana, a cidade de Midgar apresenta uma aura épica memorável. A parte de baixo da cidade, onde os herois moram e onde fica a ‘comunidade’ mais pobre, segue a mesma via. Com uma construção de ambiente impecável, o cenário se vale de elementos que evocam os ‘restos’ da parte de cima da cidade. O contraste fica ainda mais visível no interior do prédio da Shinra, estética diametralmente oposta àquela.
Com isso, a narrativa permeia questões como a diferença entre classes, a exploração do meio-ambiente para a atividade humana, e aborda a influência e poder da mídia sobre os habitantes daquele mundo. No entanto todas essas discussões passam a ser rasas ao tempo em que a própria história se distancia de qualquer aprofundamento sobre elas.
O que tem um preço positivo. Ainda que seja cinza, desorganizado e ultra industrial, o mundo de FF VII aparenta-se vibrante e bem humorado. Em alguns momentos os próprios habitantes têm comentários para acrescentar à atmosfera, reagindo a eventos da narrativa. Eventualmente esses moradores fazem comentários hilários como a namorada reprovando o seu parceiro por dar uma “checada” em Cloud travestido de mulher, e a réplica do namorado em seguida, justificando que "é para perceber a sorte que eu tenho em ter você do meu lado". São momentos breves e espirituosos que dão um charme a mais à obra.
A disposição, a quantidade e até a ideia de algumas missões secundárias denotam claramente quando o jogo mostra uma estranha imposição de um conteúdo tecnicamente desnecessário. Isso fica evidente na metade do título, em Wall Market, que precede o evento mais importante da primeira metade do jogo. O que deixa ainda mais clara a irrelevância dessas atividades.
FF é um dos melhores exemplos do quão positivo é se conhecer, até mesmo para coisas inanimadas e tecnológicas como um videogame. Brincadeiras à parte, o jogo é uma perfeita evolução de um dos títulos mais queridos da série, demonstrando isso a todo momento, com uma sequência final nada menos que absurdamente magnífica. Ainda que se prolongue mais do que o necessário em alguns momentos, esses momentos são mínimos e ofuscados pela qualidade de um jogo que usa-se do valor de clássico que é.