Isso fica claro principalmente nas construções de cena envolvendo outros personagens que não sejam Poirot ou quando esses dividem a tela com o detetive. É clara a afinidade de Branagh com a câmera, principalmente quando foca o detetive belga, por exemplo, expressando a distorção com o elemento do vidro e de reflexos difusos, pausas dramáticas complementares à sua própria agradável atuação, ou a movimentação da câmera nos períodos como a interessante sequência inicial do filme.
É o que certamente ajuda a fundamentar a força narrativa do filme e — novamente reforço— apoiado pela agradável atuação de Branagh, é como vemos o desdobramento dos eventos através da carismática, machucada e niilista ótica de Hercule Poirot. A abordagem mais interessante — e talvez a única possível.
Ao tratar personagens secundários, igualmente relevantes para a trama “who done it” (quem fez — cometeu o crime, nesse caso) é quando nota-se uma abordagem mais confusa ao retratá-los. Para mim isso ficou evidente no uso de enquadramentos simétricos avulsos — lembro aqui a cena em que Poirot encontra-se com mais quatro pessoas na escada, e apesar de bonita, a composição da cena parece estar desencaixada, sem exprimir um significado narrativo complementar. Ou pelo menos um relevante para aquela história.
Outra demonstração desse ponto acontece no posicionamento de câmera em algumas passagens de outros personagens, como o interrogatório de Andrew Katchadourian (Ali Fazal), um dos suspeitos focados de um ângulo baixíssimo, ocasionando em uma dissonância com aquele momento dramático do filme. Ou tudo isso pode ser um preciosismo meu e absolutamente proposital por parte do diretor. O que, neste caso, seria também absolutamente genial. Não dou corda para essa hipótese pelo fato desses momentos terem sido distrativos, pelo que atribuo uma espécie de maneirismo vazio de sentido.
O que felizmente salva os momentos com os personagens secundários são as boas atuações. Aqui o trio Linnet Ridgeway (Gal Gadot), Jaqueline de Bellefort (Emma Mackey) e Simon Doyle (Armie Hammer) dão vida a uma relação que passa a escalar e ajudar o tom dramático tão bem-vindo para o suspense criminal. Falando em atuações, achei muito curioso como o personagem Windlesham mostra um Russel Brand mais entediado do que eu aguardando uma consulta em uma segunda-feira.
Em determinados momentos o uso de computação gráfica também fica explícito. Isso nunca é bom sinal. Esse problema é potencializado quando a fonte desse incômodo está na luz. Grande parte das cenas (principalmente as externas) não parece ter coerência com os cenários expostos, o que acaba sendo um pouco incômodo.
E mesmo com um roteiro cheio de liberdades para diálogos pouco inspirados me agradou muito a decisão de propor uma visita ao passado de Poirot. É uma adição intrigante apoiada pelo esmero técnico nas composições que focam principalmente Poirot e Poirot apenas. É curioso e, pessoalmente, muito bem vindo o esforço de trazer ao foco esse personagem tão rico da literatura de forma respeitosa e, acima de tudo, construindo uma visão interessante sobre suas vivências sem prejudicar a trama principal. Apoiado a outros personagens bem entregues, o filme torna-se atraente e divertido até o fim. O incômodo fica apenas nos pontos destacados acima.
Morte no Nilo não é perfeito, mas Kenneth Branagh entende muito bem o personagem que rege sua linha narrativa e que interpreta tão bem. Talvez entenda bem até demais; infelizmente isso ocorre a despeito de seus pares, onde há uma confusão evidente principalmente no sentido de suas escolhas. Ainda assim, resta aqui o apelo à 20th Century Fox, fugindo do papel de crítico para as vestes de fã: por mais que ainda haja erros em excesso, deixem aquele monsieur continuar exibindo seu magnifique moustache nas telonas, mes amis!