Parece irônico, a essa altura, que a indústria lance filmes apocalípticos que ressaltam perseverança, esperança e união de personagens que buscam sobreviver em meio ao caos e à solidão.
Finch (2021), a nova aposta da Apple+ ao Oscar, é um filme desses, que parece captar muito bem o espírito de nosso momento diante da Covid-19: um mundo de cada um por si, de descrença e com um fio de esperança, sobretudo, de vermos restauradas ao menos as relações humanas.
“A fome transformou homens em animais, mas me tornou um covarde”, diz um arrependido Tom Hanks, que dá vida à Finch, ao relembrar os momentos seguintes a uma erupção solar que arrebatou a camada de Ozônio e iniciou o fim da vida como conhecera.
Uma jornada de vida
Em um bunker em St. Louis (EUA), Finch começa a fazer aprimoramentos num humanoide, enquanto cuida de seu cão Goodyear.
Pouco a pouco, o roteiro já nos apresenta o motivo de Finch: está morrendo após ter comido um alimento cheio de radiação, e quer treinar seu amigo robô para cuidar de seu cão uma vez que ele, Finch, partir para outro plano.
A direção cuidadosa de Miguel Sapochnick – cuja filmografia é centrada em séries como House e Game Of Thrones – nos mostra um Hanks extremamente confiante em suas habilidades de sobrevivência; como um homem que há muito se adaptou à sua realidade distópica.
Com a vinda de uma grande tempestade, é hora de partir.
Pé na Estrada
Quando os três amigos improváveis – um humano moribundo, um cachorro e um robô – partem para São Francisco, na tentativa de escapar dos perigos iminentes, é que o filme ganha corpo.
De forma intimista e bem-humorada, o filme faz a aposta correta, e centra sua narrativa no treinamento do robô – que agora se chama Jeff – para que consiga manter vivo o cachorro de Finch.
É com essa dinâmica que o roteiro consegue estabelecer (muito bem, diga-se) o nível de profundidade dos outros personagens que dividem a cena com Hanks – Jeff (com a voz de Caleb Landry Jones), um objeto teoricamente inanimado, e Goodyear (o cãozinho Seamus, bom garoto!).
Intimista vs. Expansivo
O grande mérito do longa é evitar ao máximo tornar-se apenas um filme sobre apocalipse. Vai além de um filme sobre sobrevivência também; é, acima de tudo, uma obra sobre tentar manter conexões emocionais, mesmo quando o próprio estado do mundo não dá as melhores condições para isso.
Atribuo parte desse êxito à direção de Sapochnick. Talvez por ser um diretor de séries – onde há por vezes cuidado para ser sintético, e outras, uma necessidade de trabalhar os personagens –, o diretor consegue dar foco aos diálogos e às atuações.
Isto é, não há no filme, como é de praxe em obras sobre o tema, um apoio em cenas de ação, perigo ou desespero; torna-se muito mais um longa sobre a relação entre os três personagens e uma alegoria da vida, que qualquer outra coisa.
Esse direcionamento contrasta, também, com a escala de um filme voltado aos cinemas. Não é um filme pequeno, de forma alguma.
Os enquadramentos são enormes, com grandes ângulos que exasperam o naturalismo do mundo pós-apocalíptico e imagens panorâmicas de um Estados Unidos varrido pelo fim dos tempos.
O sentimento de intimidade e o de perdição – as cenas mostram um mundo grande e vazio – são bem-sucedidos em diferenciar Finch de outros longas que abordam a terra num momento de ruptura.
Meras coincidências
Como falo no início da análise, parece ironia o lançamento de um filme pós-apocalíptico como Finch, enquanto o mundo começa a se reerguer após a pandemia.
O sentimento ao ver o longa – as experiências de Finch com desesperança, desconfiança e medo – é quase de familiaridade. Tenho quase certeza que ninguém ainda passou pelo apocalipse, mas ainda assim conseguimos entender a partir de nossas experiências pessoais a motivação do protagonista.
Filmado em 2019, no Novo México, o lançamento do filme foi adiado em 2020 por conta da própria pandemia.
Não obstante, consegue ter vida própria e apenas ativar nossa memória do trauma coletivo do mundo real. Em outras palavras, não é um longa doloroso ou difícil de assistir.
Comovente?
Ainda que o filme seja acima da média em termos de cinematografia, direção, atuação e texto, a impressão que dá é que o longa tenta demais fazer com que ele seja comovente.
Algumas situações, como a de Tom Hanks ensinando o robô a jogar bola com o cachorro, ou de quando conta como conheceu Goodyear, parecem ser elaboradas sob medida para causar alguma queda de lágrimas no público.
É um bom filme, mas ao apelar para essas situações melodramáticas, acaba por perder parte da força emocional que pretende estabelecer com o telespectador.
Talvez Finch não seja um filme capaz de se dar bem nas principais premiações, mas com certeza é um longa eficiente no que se propõe; afinal, como a história mostra, Tom Hanks é capaz de nos envolver até mesmo com uma bola de vôlei.