Aqui acompanhamos a vida de Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman) e a inconstante e elaborada relação entre ambos. Alana é uma jovem de 25 anos que ainda mora com os pais e se vê estagnada na vida enquanto Gary é um legítimo ‘hustler’, — um empreendedor malandro, como queira — de 15 anos, por vezes maduro até demais pra sua idade. A partir daí o filme aborda com bastante precisão as sutilezas do relacionamento entre as duas pessoas, inclusive a ambiguidade entre amizade e paixão, o que é aprofundado — muito bem — pelas escolhas formais do diretor.
Paul Thomas Anderson mostra essa preocupação por dar um certo ‘ritmo’ à sutileza quando opta por composições que, por exemplo, potencializam o momento psicológico de seus personagens. Seja em um plano fechado ou em como um elemento do quadro bloqueia determinados pontos para reforçar o sentimento de um protagonista, cada escolha também conta com o apoio de uma das mais surpreendentes atuações de estreantes (Haime Hoffman) que eu já vi.
Um olhar entregue de quem está começando a se apaixonar, um sorriso sem graça ou até mesmo uma troca em diálogos debochados são algumas dessas passagens mais abstratas que senti — e me deliciei — durante a rodagem. Quando digo o compasso da sutileza, tem a ver com essa decisão que por momentos parece ser deliberada e, por outros, parece capturar uma fatia dessa ambiguidade que dá graça à realidade.
Atribuo essa possibilidade também a uma sintonia tremenda entre Hoffman e Haim. Os dois esbanjam naturalidade e uma quase inocência contrastante que pendula dentro da relação dificultosa dos dois. Se de um lado pela ambição quase infantil de Gary, por outro pela admiração e incômodo de Alana por um garoto dez anos mais novo que ela e com sua própria situação. Isso tudo acaba formando uma sintonia apaixonante. E como essas interpretações são muito harmoniosas, aprofunda mais essa compreensão de que se não há uma preocupação pela sutileza, existe uma série de fatores que contribuem para que essa abordagem seja alcançada.
Quando a cinematografia não está, de certa forma, ‘invadindo’ o espaço dos personagens focados — como no jantar de Alana com o candidato ou no jantar em que ela acompanha um mega astro de Hollywood e instigar ciúmes em Gary— há também uma decisão por enquadramentos que reforçam a beleza da simplicidade. O que resulta em quadros belíssimos — como a silhueta de Alana e Gary se mesclando à da cidade de Los Angeles — ou hilários como os garotos enchendo o tanque do caminhão.
A Los Angeles de PTA
Os momentos cômicos em Licorice pizza são outro delicioso atrativo, apoiados muito pelo contexto da sua ambientação. Isso ocorre principalmente pela forma como PTA trata as personas envolvidas com Hollywood naquela época (quase sociopatas excêntricos). Aqui o destaque está em um Bradley Cooper forçadíssimo — o que, imagino, seja proposital pelo contraste — na pele de Jon Peters.
A ambientação e o tratamento histórico, assim, funcionam de forma mais velada mas não menos importante para a sequência da história — como a importância dada à crise petrolífera ou os indícios da ascensão da era de ouro de Hollywood.
Orgânico. Natural. Sutil. E a lista de adjetivos para Licorice pizza por mim não acabava. Mas como você deve estar lendo isso ainda (obrigado), vou me limitar. A melhor decisão, aqui, ao meu ver, é dar tempo. Tempo para observarmos detalhes, que talvez podem não ser tão importantes assim. Tempo para rir, ou para ficar em um silêncio tempo o suficiente para sentir constrangimento por ter rido. E, principalmente, tempo para nos apaixonarmos, delicadeza que pode ser observada em como a última fala do filme pontua essa excelente obra com uma frase simples.