O plano da Sony PlayStation que mudará a indústria dos games

Enquanto as pesquisas indicaram um crescimento sem precedentes da indústria de games durante o ápice da pandemia, em 2020, outros reflexos também foram evidentes. Entre eles, naturalmente, o de dificuldades operacionais nas empresas para concluírem seus jogos, o que gerou também uma onda de adiamentos de jogos igualmente sem precedentes até então. Foi um período de mudanças. Coletivas, que já ameaçavam sair da exclusividade presencial, passaram a ser online, estúdios tiveram de se reorganizar, e, principalmente, as grandes empresas precisaram sentar para repensar suas estratégias.

A Microsoft, entre tantas aquisições de estúdios, aguarda a aprovação e finalização da compra da Activision Blizzard, o que pode abalar sistematicamente essa corrida maluca da atual geração de consoles. Mais especificamente em como se consumirão jogos, uma vez que o carro-chefe da companhia, mais do que a atratividade de seus consoles, está em seus serviços. Ou melhor, seu serviço. O Xbox Game Pass. Nele os lançamentos exclusivos são disponibilizados para assinantes no primeiro dia. 

O sucesso desse modelo foi o que motivou a Sony a reestruturar seu sistema de assinaturas, criando algo tão semelhante quanto, tirando a parte dos exclusivos. Essa, inclusive, é a palavra chave. Ao longo dos anos, o diferencial para a subdivisão de jogos da Sony, a PlayStation, foi a exclusividade de suas propriedades intelectuais (PIs). Ou seja, o acesso a uma propriedade intelectual, interessante ou não o suficiente para motivar jogadores a comprar um videogame para jogá-la.

Mas o que acontece quando a indústria se movimenta na contramão desse entendimento? Quando o contexto dos games preza mais pela quantidade do que está sendo disponibilizado do que sua qualidade ou exclusividade? O que ocorreu quando a Netflix surgiu no mercado audiovisual? Mudanças acontecem. E mudanças aconteceram. E vem acontecendo na Sony. Ver, recentemente, uma sequência curiosa dessas decisões, foi o que me motivou a escrever este texto. São mudanças que acontecem ao longo dos últimos anos e que, neste, ilustra um pouco mais sobre o plano da PlayStation a fim de se adaptar à nova corrida dos games. Seja ela qual for.

Qual seria esse plano? Infelizmente eu não tenho acesso às reuniões de acionistas da Sony, logo, é virtualmente impossível dar uma certeza. Se você for um diretor da Sony e quiser me dar acesso, fique à vontade. No entanto, movimentações recentes inspiram uma análise sobre o que essas decisões significam num escopo maior. São decisões muito relevantes principalmente em termos de perspectiva. Assim como foi a compra de vários estúdios pela Xbox, o que motivou pessoas a pensar: “Ok, acho que agora o negócio ficou sério”.

Por onde passa


Tudo que a Sony vem anunciando, desde o início de 2022, tem a ver naturalmente com uma direção: a de expandir o acesso às suas propriedades intelectuais. Antes exclusivas, agora God of War, Horizon, Spider-Man e, para mim, o mais simbólico, Miles Morales -- que foi um exclusivo de lançamento do PlayStation 5 -- podem todos serem jogados no PC. Em paralelo a isso, a Sony reforça que seu foco em exclusivos continuará. Uma tática de comunicação presente em todas as entrevistas e reforçada por Jim Ryan, CEO da PlayStation. Ou seja, a estratégia aqui é semelhante a disponibilizar exclusivos por tempo determinado para vender consoles naquela janela de tempo. Eles são exclusivos e defendidos como tal durante um tempo, até que eles simplesmente não são mais. Uma estratégia que ganhou tração na geração anterior, e aqui parece ser evidente.

Ao contrário da Microsoft, que disponibiliza jogos exclusivos no dia de lançamento no Game Pass, a Sony deverá ir por um caminho oposto, e lançá-los algum tempo depois, tanto no serviço de assinatura PlayStation Plus, quanto nos PCs. Não me surpreenderia que isso seja mudado, principalmente em um período posterior, em que seja possível observar os resultados dos movimentos atuais, principalmente se eles se mostrarem positivos — como a nova estratégia para mobile, por exemplo, ou a resposta dos jogadores de PC.

Em relação a isso, vou tomar a liberdade de duvidar da capacidade da Sony de manter as duas estratégias por muito tempo. Principalmente porque o foco em serviço de assinatura é uma tática curiosa. Envolve tomar uma decisão correta todo mês e, naturalmente, estar sujeito ao feedback dos seus consumidores mensalmente. Especificamente, de quais jogos lançar nos serviços de assinatura. Dado o histórico, é notável que a companhia nipônica é péssima nesse tipo de decisão. Escolher o jogo errado em uma sequência de meses pode ser um movimento ruim. Para não ser injusto, as escolhas dos últimos meses no PlayStation Plus têm sido consideravelmente boas.

A diversificação do acesso às suas propriedades intelectuais, aliás, também permite que a companhia foque em uma outra tentativa que orbita em torno de suas PIs: multimídia. O primeiro a ser concretizado foi um filme de Uncharted, estrelando Tom Holland como Nathan Drake e inexplicavelmente, um péssimo Mark Walbergh como um Sully genérico. Independente se bom ou não, Uncharted foi um filme que gerou cerca de US$ 280 milhões líquidos para a companhia, em auxílio com a subdivisão de filmes da empresa, Sony Pictures. Outros projetos semelhantes, que se utilizam de PIs como fonte para produções, também estão em desenvolvimento.

O próximo, The Last of Us, que será lançado quase em paralelo com o remake do jogo feito para PlayStation 5, promete ser um ataque da empresa no segmento dos streamings. Espera-se que da melhor forma, sendo uma produção da HBO e contando uma das histórias mais aclamadas dos games. Além disso há ainda a afirmação de que outras séries como a de Twisted Metal ou um filme de Ghost of Tsushima estejam em desenvolvimento. Outras possibilidades passam por Gran Turismo, Horizon e God of War, que aparentemente também terão séries em outros serviços de streaming.

Esses movimentos recentes parecem ilustrar que finalmente alguém na subdivisão de games da Sony pensou na força de suas propriedades. Isso, inclusive, em um momento em que grandes conglomerados apostam na multimídia de nomes consolidados para gerar receita. E também, em parte, o resultado de anos de foco da companhia em exclusivos. Tanto que a mesma estratégia hoje, por parte da Microsoft, não faria muito sentido. Imaginar isso só me faz lembrar deste vídeo:


Aonde está


Naturalmente, com a crise na cadeia de fornecimento de materiais para produção de componentes, que atingiu todas as empresas e consoles, foi a primeira vez desde o lançamento do PlayStation 4 que a companhia nipônica se viu em uma situação um pouco mais delicada. Isso aliado à mudança da produção dos jogos em trabalho remoto ou híbrido, e os seguidos adiamentos (também firmados na indústria depois do medo de repetir o carrasco que foi Cyberpunk 2077), e, por conseguinte, a “perda” de receitas anuais relevantes. Talvez são pontos que tenham motivado essas decisões. Novamente, diretor da Sony, se você tiver lendo, me chama aí.

Uma coisa é certa e visível em números. Meio que deu ruim este ano. A Sony reportou um declínio de 2% nas vendas anuais na sua unidade de games no trimestre até junho, e os lucros operacionais caíram quase 37%. A empresa também emitiu uma perspectiva pessimista, reduzindo em 16% a sua previsão de lucros para todo o ano de 2022.

Esse cenário negativo também motivou a decisão de aumentar o preço do PlayStation 5 na Europa, Japão, China, Austrália, México e Canadá. Segundo Jim Ryan, a mudança foi realizada devido às altas taxas de inflação ao redor do mundo, assim como “tendências cambiais adversas”. A Microsoft ainda não anunciou um aumento no preço de seus consoles nesses países. E a última vez que esse abismo entre preços de consoles da Microsoft e da Sony ocorreu, bem… você sabe

Talvez neste cenário ainda haja uma “gordura” para queimar, visto que até o momento a guerra entre Sony e Microsoft está em 21 milhões de PlayStation 5 vendidos no mundo contra 13,8 milhões de Xbox Series (ambos), segundo a Ampere Analysis.

Para onde vai


A movimentação mais recente da Sony ganhou o mundo em choque quando foi anunciada. Além da compra do estúdio Savage Games (de ex-funcionários da Rockstar, Wargaming, Rovio, e Next Games) a empresa anunciou sua nova subdivisão nos games, a PlayStation Mobile Division, focada em desenvolvimento de títulos para smartphones.

O anúncio é um passo em território desconhecido, pelo menos até agora. As manchetes de que o estúdio está desenvolvendo um jogo triplo A (o “blockbuster” dos games) no modelo live service  — em que a publisher continua lançando conteúdo ao longo de um período, como Destiny 2, Fortnite, etc. — mostra um entendimento do cenário atual e um potencial interessante. É o que muitas companhias vem fazendo e inclusive não só nos mobiles. Multiversus é o exemplo mais recente disso, e há também a familiaridade de, assim como a Sony, se apoiar muito em propriedades intelectuais.

No entanto, essa decisão coloca a companhia lado a lado com players gigantescas consolidadas no setor, as chinesas Tencent (Arena of Valor, PUBG Mobile) e NetEase (Diablo Immortal -na China-, Marvel Super War), duas das maiores produtoras de jogos móveis do mundo. Especialistas dizem que esse movimento da Sony para o setor mobile só será significativo caso a empresa consiga pegar uma fatia do público que consome os jogos mobile mais populares.

Não é novidade ver uma empresa com franquias consolidadas ir para o setor móvel. A Nintendo fez isso e vai muito bem, obrigado. A Activision Blizzard fez isso com Diablo Immortal e tantas outras o fizeram também. A questão é acertar em forma e saber a propriedade intelectual certa para conseguir um pedaço dessa fatia. Segundo último levantamento da empresa japonesa, essa decisão é parte de um planejamento para lançar 50% de seus games em PC e mobile até 2025, segundo a própria empresa.

O desafio, aqui, seria dar continuidade a um aspecto que se consolidou como um diferencial da companhia, tanto em vendas de consoles como de jogos: propriedades intelectuais. E propriedades intelectuais não são exclusividade. Podem ser, mas não são em essência. É por isso que um movimento para os PCs, para os mobiles, ou o que for, pode dar tão certo. São franquias conhecidas, que os jogadores podem ter a oportunidades de conhecer jogando, e não somente vendo. Já nascem com um potencial grande. Mas, naturalmente, esse é um embalo de 25 anos de propriedades lançadas. Chegará um momento em que novas PIs serão necessárias. E para a Sony continuar relevante, elas precisarão ser tão boas e carismáticas quanto as que existem hoje.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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