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A mão de deus: ambiguidade mágica da vida

Você já se viu em algum lugar, seja um almoço de família de amigos, conhecendo a família da namorada, ou até mesmo em uma casa de um ‘roomate’ conhecido, totalmente confortável, imaginando que talvez poderia muito bem se habituar a uma convivência daquelas? Em A mão de deus Paolo Sorrentino por momentos te faz sentir esse desejo, e por outros se abre para mostrar uma experiência real e mágica ao mesmo tempo, apenas evidenciando o quanto a ambiguidade é um dos fortes da sua abordagem. É uma obra marcante ao trazer uma mistura muito real de sentimentos: amor, humor, paixão, alegria, acolhimento genuíno, tragédia e melancolia envolta no que parece um realismo que tenta focar justamente a parte mais ambígua da vida: nos sentimentos.

Isso já fica evidente logo no início, após uma das personagens ser abordada pelo que aparentemente é um santo, que a confere a solução de seu maior conflito atual — de não ter filhos — e logo depois vemos essa personagem ser confrontada sobre essa constatação e apontada como insana. A nova metragem de Sorrentino marca com uma cadência nem um pouco apressada — por momentos o que alguns podem considerar desnecessariamente lentas, porém considero absolutamente proveitosas — o que talvez dê para chamar de ‘pepitas da realidade’. 

Seja na forma de comportamentos, trejeitos em closes por vezes desconfortáveis ou planos detalhes sutis, como se fossem uma demonstração de uma magia quase autoimposta, o diretor parece encaixar passagens valorosas demais para serem descartadas, e que envolvem aquela história simples com uma camada ainda mais interessante. 

Outro ponto que intensifica a experiência emocional está em uma movimentação muito próxima dos símbolos. Ainda que o filme dialogue com uma certa ambiguidade entre os temas, ele pontua muito bem através dos símbolos esses momentos mais voltados à vida mental do protagonista. O assobio é uma sutil e forte demonstração do carinho entre dois personagens relevantes, toda a especulação sobre a vinda de Maradona ao Napoli é uma constante pontuação dos momentos emocionais de Fabietto Schisa (Filippo Scotti). O canto da torcida, por sua vez, exprime quase uma outra personagem estampada nos corações napolitanos, o barulho do barco diz algo sobre a amizade, o paradoxo da beleza e por aí vai. 

A precisão técnica é evidente no uso de movimentos mais longos (por exemplo, a cena em que as pessoas percebem Maradona nas ruas de Napoli ou a própria sequência inicial). Napoli, inclusive, como comentado, parece uma personagem de vida própria. A cinematografia parece sempre dialogar com a cidade; há um certo deslumbre — compreensível, é a cidade natal do diretor — que pode ser visto em como o Fabietto é colocado nas cenas externas, em grande parte como um elemento daquele universo, ou embasbacado com ele. Há também um curioso desbotamento e “empobrecimento” das cores a partir de um momento relevante ao longo do filme. 

 Tudo isso de uma forma naturalíssima e com escolhas que, se não servem para dar uma força ‘realista’ para esses momentos, contribuem para uma abordagem mais branda, ambígua e instigante sobre aquele mundo. Ao entender que alguns momentos de sua história exprimem, através do protagonista, um contexto ‘mágico’, é que Sorrentino executa uma obra lindíssima e tocante.

Há uma certa magia velada, seja no foco a um par de mãos dadas, um pequeno monge em um determinado lugar, ou a aparição de um deus no meio das ruas de Nápoles. Talvez o resquício de um realismo mágico que só as mãos de Diego Armando Maradona poderiam tocar. 


Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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