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Amor, sublime amor e a maldição dos clássicos

Eu tento não começar uma crítica de um filme de musical falando sobre o cenário para o gênero em 2021, mas novamente vai ser impossível, principalmente quando percebemos que já estamos em dezembro. Isso porque Amor, sublime amor, o remake do clássico musical —  que pontua os 60 anos do filme original — dirigido por Steven Spielberg deixa um gosto agridoce nessa concepção. 

Se em Querido Evan Hansen o que permite a destruição de uma base excelente é a montagem e outros aspectos técnicos, o inverso acontece aqui: apesar da primazia técnica, tanto em execução quanto em conceito, o que gera um incômodo constante na obra é a frequente quebra da “suspensão de descrença” que os odiadores de musicais tanto bradam. Suspensão de descrença é o que acontece quando, por exemplo, um espectador acha ok um personagem começar a cantar no meio do nada, ou um bilionário usar uma armadura de ferro para combater criminosos, e por aí vai…

 E infelizmente caí nessa tentação de notar que havia algo de errado em Tony ou Maria começarem a cantar um para o outro o quanto, após 10 minutos, já estariam apaixonados um pelo outro. Isso devido ao fato de notar que Amor, sublime amor não dialoga minimamente com a experiência cinematográfica justamente devido aos pontos que o fazem ser um clássico da Broadway.

As músicas, por exemplo, são absurdamente expositivas no teatro, o que é um mecanismo totalmente compreensível devido às limitações da cochia. O que faz que o musical de Sondheim seja um clássico. A crítica, aqui, no entanto, é em como esses elementos tomam uma magnitude melodramática que prejudicam a experiência narrativa nas telas. Creio que isso de certa forma é amplificado pelo casal protagonista Maria e Tony (Rachel Zegler e Ansel Elgort), que têm a mesma sintonia de uma rádio FM numa autoestrada e uma relação que dá um tom de novela mexicana complementar para o melodrama já excessivo da metragem.

Esse tom fica ainda mais frustrante ao notar o trabalho técnico de Spielberg e equipe. Apesar da execução ser excelente, a escolha conceitual é duvidosa. Isso porque frequentemente o diretor toma ângulos que beneficiam ou a movimentação e dinâmica entre os atores, tal qual um palco de teatro, o o próprio cenário — como nos lindos takes da viela que dá para a janela de Maria-- ou até mesmo a iluminação mais dramática (vide imagem acima) principalmente em filmagens externas. Outros destaques ficam para a sequência final e a movimentação dos atores e como a movimentação da câmera ajuda a trazer ainda mais beleza das danças e interação entre os atores.

A ambientação da obra é absoluta, seja em design de produção ou em figurino, também andam em paralelo à decisão conceitual dessas escolhas: replicar a experiência teatral de West side story. O que, para mim, é um erro. Essa dicotomia se mostra ainda mais confusa quando o roteiro apresenta alterações para tornar a experiência do filme mais contemporânea.

Ou seja: pelas escolhas técnicas e execução a minha compreensão é de que Amor, sublime amor de Spielberg parece mirar muito mais em uma adaptação como Hamilton lançado no ano passado na Disney +, uma gravação de uma apresentação no teatro, com escolhas concretas que não só aproveitam como extrapolam a experiência do teatro, do que em uma experiência feita para ser aproveitada no cinema.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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