Mãe das sitcons, programa mais assistido nos Estados Unidos em meados dos anos 1950, I Love Lucy acaba de ganhar vida nas telas pelas mãos de Aaron Sorkin, um dos mais premiados roteiristas em atividade nos últimos anos.
Conhecido por seus diálogos afiados, às vezes pendendo para monólogos, o escritor aqui também assina a direção de Being The Ricardos (2021), longa que retrata uma semana conturbada na vida do casal Lucille Ball (Nicole Kidman) e Desi Arnaz (Javier Bardem).
No filme, acompanhamos uma semana impactada por escândalos sobre o casal: Lucille é acusada de ser do Partido Comunista, algo impensável nos Estados Unidos da época, e tabloides questionam a lealdade do marido, Desi, à estrela de I Love Lucy.
Contexto é tudo
Logo de início, Sorkin toma uma abordagem diretiva que torna-se fatal: acompanhamos todo o processo de produção do seriado – das leituras de sala de roteiro, às decisões executivas do seriado.
Bastidores sempre são interessantes, mas é importante ter em mente que a cinebiografia do casal mais famoso dos anos 1950 chega às telas em 2021, a uma geração que possivelmente tem pouco ou nenhum conhecimento prévio da obra de Lucille e Desi.
Há, é verdade, pinceladas de contexto aqui, acolá, já que o filme intercala a época do casal com depoimentos fictícios de quem acompanhou de perto a trajetória do programa.
A preconcepção da produção de que o telespectador já sabe da história da sitcom ao assistir o filme, portanto, bate na trave, e acaba gerando um bloqueio natural com o que acontece em tela. Afinal, se eu não tenho ideia do que é I Love Lucy, por que me importarei com o que ocorre por trás do seriado?
Contexto, como dizem frequentemente, é tudo, e a falta de compreensão desse importante aspecto para qualquer obra enfraquece o roteiro de Sorkin, cujo objeto já não consta da memória de parte do público.
Talvez, em Being The Ricardos, fosse melhor optar pelo 'feijão com arroz': a história de um personagem específico, de Lucille, Desi ou mesmo o casal; de queda e ascensão, ou de superação. A opção de colocar a história do programa em consonante com a trajetória dos personagens somente resultou em um filme pouco eficaz e objetivo.
Atuações
Assim como o período turbulento trazido pela obra, a produção do filme não escapou às polêmicas, sobretudo em termos de elenco. Kidman, forte no papel, substituiu Cate Blanchett; A escolha de um espanhol, Javier Bardem, para interpretar um cubano foi criticada, e parte da indústria clamou pela atriz Debra Messing no papel principal pela semelhança com Lucille.
Neste ponto, preciso discordar dos defensores de Messing. Nicole Kidman está excelente como Lucille, e é responsável pelos melhores momentos do longa.
Fora de palco, representa uma Lucille com mãos de ferro, certa do que quer e pouca afeita a concessões, de uma liderança dura e altiva. Nos palcos, uma doce mulher tradicional, desengonçada e brincalhona.
Já Bardem se perde no papel do marido cubano, em uma atuação marcada por uma abordagem fanfarrona e estereotipada de um latino aos olhos dos norte-americanos; e não ao hábil homem de negócios que foi Desi Arnaz.
De resto, o longa traz outros nomes competentes, como JK Simmons e Tony Hale, que acabam ofuscados pela falta de foco da obra de maneira geral.
De Hollywood para Hollywood
Os aspectos mencionados reforçam que Being The Ricardos é uma daquelas obras sobre Hollywood, feitas sob medida para o seleto grupo de Hollywood.
Sem se preocupar em contextualizar nada, ou criar pontos de conexão entre personagem e telespectador, os diálogos felinos de Sorkin resultam na sensação de que o filme subestima o público, reforçando o tom pedante ao longa.
Já no restante do script, tudo está no lugar. O design de produção tem ares de Oscar, a trilha está sob medida, há ao menos uma atuação forte e um grande caráter nostálgico. A Sorkin, faltou somente o que o cinema tem de mais mágico: a capacidade de comover e inspirar quem não faz parte do seu clubinho particular.
Para um programa tão importante para a história da televisão, é decepcionante que a maior reação gerada ao chegarmos ao fim do filme seja um "legal, e eu com isso?".