Há uma velha superstição na indústria fonográfica que amaldiçoa os artistas que fazem sucesso logo de cara, no primeiro disco. É o fantasma do segundo disco; se a banda ou o cantor consegue manter o sucesso inicial, pode desfrutar de uma longa e prolífica carreira. Caso contrário, poderá virar um artista de um disco — ou música — só. Os famosos, com perdão da ironia acidental, “One Hit Wonders”.
Nos últimos tempos, essa velha superstição — que não é exclusiva da música, que fique claro — parece atormentar cada vez mais as séries de televisão, que disputam um protagonismo cada vez maior com o cinema a partir da luta das plataformas de streaming. Neste embate, tudo vale para manter a atenção do cliente: temporadas de cair o cabelo, cliffhangers poderosos, plot twists, etc.
Mas em sua segunda temporada, “Ted Lasso”, da Apple TV+, a grande inovação é não inovar em nada. Ainda bem. A série acertadamente manteve o belíssimo nível de seu esforço inicial e nos entregou episódios doces e hilários. Para ficar nos clichês do futebol: “Para que mexer no time que está ganhando?”.
Não está ganhando pouco: a série foi indicada a 20 Emmys no período 20–21 e segue conquistando fãs mundo afora. Com todos os méritos: a série que coloca um técnico de futebol norte-americano para reerguer um time fracassado no Reino Unido é um deleite. São os 30 minutos de paz que você encontrará no seu dia.
Na segunda temporada, Ted Lasso (Jason Sudeikis incrível) continua a liderar o lamentável Richmond, agora rebaixado à segunda divisão do campeonato britânico, enquanto tenta consertar tudo à sua volta com um otimismo incansável. Ou seja, o problema é o mesmo, com circunstâncias diferentes.
Agora, Lasso já é amado por sua equipe, continua xingado — com todo carinho — pelos torcedores e conta com apoio irrestrito da dirigente Rebecca (Hannah Waddingham, um dos destaques). Roy Kent, o jogador rabugento e aposentado, tenta se adaptar à nova função de comentarista, e Keely Jones (Juno Temple) continua irradiando inocência e frescor por onde vai.
São esses pequenos dramas, mais que o futebol, que nos prendem à Ted Lasso. Como por exemplo, se Lasso irá superar o divórcio ou até se apaixonar novamente, ou se o hilário ajudante Nathan (Nick Mohammed) irá conseguir a mesa da janela no restaurante para impressionar os pais.
Nada é forçado demais, grandioso demais ou repetitivo em Ted Lasso, ainda que nada realmente tenha mudado (ao menos na superfície). Mas eu diria que há um elemento que é o cerne da série: passamos a gostar tanto dela porque seus personagens representam a versão que buscamos de nós mesmos.
Quem não quer ser otimista como Lasso, competente (e rico) como Rebecca ou feliz no casamento há 30 anos como atrapalhado Higgins (Jeremy Swift)?