Eternos é uma daquelas metragens recheadas de contexto. Seja por encaminhar uma nova era do Universo cinemático da Marvel, por ser um dos poucos filmes da editora a ser inspirado nos clássicos quadrinhos de autoria exclusiva Jack Kirby, ou por ser o filme seguinte da diretora mais celebrada na última edição do Oscar — produzido durante a sua premiação, inclusive.
Levando tudo isso em conta e os pontos mais substanciais do filme, não seria exagero dizer que Eternos, de Chloé Zhao, é um bom filme. Ainda que tenha seu planteu de decisões questionáveis, é um filme que mantém um sopro de novidade para um universo não muito convidativo.
Antes de explicar o porquê, preciso compartilhar algo que venho pensando e ficou evidente após este lançamento do mais novo título do MCU. Com o decorrer desse planejamento multianual e em fases progressivas que perpassam diversos filmes, o estúdio Marvel passou a mudar a “identidade” de seus filmes conforme o andamento da sua linha do tempo. O que tínhamos como os filmes clássicos de heróis — com uma extensa introdução sobre aquelas personas, seus objetivos, conflitos, fórmula que tornou-se facilmente manjada — era mais receptivo e, ainda, instigante para novos espectadores.
Conforme o tempo passou, principalmente após o evento de Vingadores: Ultimato, quando as adaptações se expandiram para séries de TV, animações, e um conceito cabeludíssimo até mesmo para os quadrinhos — o multiverso — foi apresentado, um aspecto ficou evidente para essas obras da Marvel: todas estão se tornando cada vez mais restritivas, pedindo do espectador um conhecimento prévio mínimo para não tornar-se confuso. O que nos leva ao filme de Chloé Zhao.
Eternos presume que o espectador deva saber sobre o que se trata e isso fica claro logo à confusa escolha do roteiro mostrada nos minutos iniciais. Ao segurar demasiadamente informações — principalmente sobre a motivação daquele grupo e mais detalhes importantes pra a contextualização- para soltar tudo de uma vez em um diálogo posteriormente, o filme apresenta-se nos minutos iniciais como um amontoado desconexo de seres superpoderosos — noção que é dissolvida posteriormente, quando passamos a conhecer mais sobre eles.
Todavia, quando isso ocorre, acompanhamos a história principalmente através de três personagens principais: Sersi (Gemma Chan), Ikaris (Richard Madden), e Thena (Angelina Jolie), uma escolha que se mostra acertada por conseguir encaminhar a história de forma concisa e não cai na dispersão ao incluir novos seres e suas habilidades específicas ao conjunto. Se esta história per se é boa ou não, é outra discussão. Logo nos primeiros minutos a narrativa mostra que não.
Aqui acompanhamos os Eternos, deidades que testemunharam toda a história do planeta Terra sem interferência sobre seus eventos. O único objetivo deste grupo é “proteger” o planeta dos Deviantes, que estavam extintos há mais de 500 anos e após a descoberta de que, bem… eles não estavam extintos há mais de 500 anos, é que testemunhamos a narrativa do filme.
A partir daí o espectador acompanha a relação entre os membros daquele grupo, suas características, habilidades e motivações dentro do desafiador empecilho do eminente fim do universo. O filme esbarra em uma interessantíssima discussão sobre o existencialismo daquelas deidades, aspecto que é facilmente deixado de lado para dar lugar a passagens menos instigantes como o fraco desenvolvimento de Thena, principalmente pela apresentação fraca da personagem.
É possível notar neste filme também uma evidente limitação dos cacoetes de Chloé Zhao, ainda que estes ainda estejam presentes. Se em Nomadland víamos uma escolha extrema por cenas de estabelecimento e zooms que catalisavam a sensação de solidão e exasperação de Fern, aqui ainda temos uma mão da diretora no encaminhamento visual da historia. Nesse sentido há uma utilidade mais naturalista — principalmente nos flashbacks e estabelecimento de cenas grupo.
Cenas que objetivam estabelecer o ambiente de civilizações e construções milenares para apresentar a influência dos Eternos ao longo da história terrestre são uma clara influência de Zhao na escolha estética. O fato de grande parte das cenas de ação serem filmadas em luz do dia também amplificam essa percepção e geram bons momentos.
O filme também acerta em conseguir desenvolver efeitos visuais mais sutis que mais parecem poderes “ornamentais” dignos de deuses e nas passagens mais monumentais, como os diálogos com os Celestiais. Isso também torna as cenas de ação outro ponto agradável em Eternos. Há também, e de forma menos inspirada, uma tentativa de dar essa pecha aos Eternos através da trilha sonora, com o uso de composições que por momentos lembram arranjos religiosos, tribais, e por aí vai;
Ainda que a narrativa de Eternos funcione bem ao encaminhar a história para frente, isso não significa que a história seja boa. Como dito anteriormente, o filme se estende muito mais na tentativa do convencimento dos personagens em lutar contra um inimigo em comum do que num questionamento muito mais interessante que poderia ser abordado pelo roteiro, algo sobre a natureza da própria existência, a própria noção sobre o aspecto cósmico do universo Marvel — inspiração clara de uma das fases mais prolíferas dos quadrinhos de Jack Kirby — e coisas do tipo. Nesse aspecto há uma dissonância evidente entre roteiro e encaminhamento estético.
Eternos encaminha a fase cinemática da Marvel para um novo horizonte — só consigo pensar no novo Quarteto Fantástico, neste contexto — , mas desperdiça um potencial fortíssimo em empolgar os espectadores com essa prospecção ao aprofundar melhor aquelas personas. É um bom filme, principalmente em como usa planos abertos e os efeitos visuais para apresentar personagens interessantes. Isso até a página 3 -- que inclusive é uma das melhores de Jack Kirby. Leia.