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Quarta-feira seria um nome melhor


Por vezes a mais grata das surpresas ao assistir um filme é deparar-se com verdadeiras pérolas nascidas de uma abordagem despretensiosa, o que acaba gerando uma obra, em suma, divertida. Algo traz uma sensação de recompensa pelo seu tempo nesses casos. Diametralmente, todavia, é a noção negativa ao ver essa despretensão perder o rumo, encaminhando uma metragem o caminho dos filmes mais desagradáveis. Em A Família Addams 2: Pé na estrada (2021) isso fica evidente.

É contraditório presumir que isso seja pelo fato da animação da Universal, sequência do filme de 2019, seja um filme voltado para o público infantil. Outros desses — tantos — foram feitos dentro dessa premissa e resultaram em títulos memoráveis, o que já leva essa teoria por água abaixo. Todavia, em Família Addams 2 o problema é ancorado em dois pontos importantíssimos que acabam minimizando o ótimo visual para dar lugar a uma experiência arrastada e pouco cativante.

Nessa continuação acompanhamos Gomez e Mortícia Addams preocupados — paradoxalmente — com o fato de sua filha, Wandinha, ter-se tornado uma fusão quase perfeita entre Schopenhauer e as principais bandas emo dos anos 2000, em um niilismo cômico quase contagiante. Assim, o patriarca e família decidem realizar uma roadtrip por várias cidades dos Estados Unidos a fim de criar boas memórias e, quem sabe, exorcizar o espírito absolutamente depressivo da garota — o que, por si, já é contraditório. Na lógica da família, esse comportamento de Wandinha não seria motivo para total orgulho?

Nesse ensejo, ainda, vale registrar meu total descontentamento desde sempre com a adaptação do nome Wandinha. Desde o dia em que aprendi o nome da personagem original ser Wednesday Addams, nunca consegui dissociar isso. Quarta-feira é um nome perfeito para alguém — ou algo, no caso, o dia — que incorpora basicamente todo o espírito do pessimismo existencial mediante as vicissitudes da vida humana. E se há algo mais cabível à Família Addams do que isso eu desconheço.

Na história há ainda alguma tentativa de subplot com Tio Chico lentamente se transformando em um polvo e Feioso descobrindo o despertar de seu desejo pelo gênero feminino. E sim, são elementos tão deslocados do filme quanto este parágrafo foi deste texto.

Enfim, passadas as digressões, Família Addams 2 sofre de dois problemas específicos que cerceiam muito da experiência do filme. O primeiro fator é o argumento do roteiro, a motivação apresentada nos primeiros minutos — esta, o sentimento de não pertencimento de Wandinha, catalisado por uma descoberta ao longo da animação — e que rege toda a linha narrativa da história.

É por esse fato, exclusivamente, que os Addams decidem fazer a viagem pelos EUA que tenta sustentar toda a diversão proposta pela animação. A explicação do plot para uma pretensa confusão sobre o pertencimento ou não de Wandinha à família, centrada em uma passagem de Tio Chico no berçário, chega a ser cômica pelo pior dos motivos.

A animação peca ainda na sua execução. Como uma obra voltada ao público infantil, é óbvio que vão existir piadas mais rasas e menos elaboradas. Esse não é o problema e nunca foi. Aqui, no entanto, Família Addams 2 parece um filme totalmente desconexo do público — pelo menos, o brasileiro — , muito por uma história fraquíssima quanto por passagens baseadas em piadas que não têm a entrega devida.

Em determinado momento no filme, nas Cataratas do Niágara, Mortícia pergunta para Wandinha se ela estaria feliz observando algo no no horizonte, para ser replicada pela filha com algo como “eu estou fantástica, dá para ver o Canadá daqui”. Uma piada bem elaborada dentro do contexto da personagem, mas que não tem o menor apelo para o público brasileiro. Esse é o humor escolhido para grande parte das piadas incluídas na sequência da animação; se calcando em passagens por Miami, Texas, e por aí vai. Nesse sentido, tem uma apresentação cômica plenamente desconexa.

Outro fator que limita ainda mais a graça — em todos os sentidos — no filme é a fuga do principal charme da Família Addams — e que faz a primeira animação ser mais proveitosa. A graça desse núcleo sempre foi a subversão do cotidiano. Se, por sua vez, uma noiva tradicional se maquiaria horas antes do casamento com os produtos mais garbosos, na primeira animação Mortícia acorda perto da meia-noite para se maquiar com as cinzas dos pais. É o que fez os primeiros cartuns de Charles Addams fazerem sucesso em suas primeiras publicações na New Yorker e que, aqui, são tão raros quanto o abraço da quarta-feira (pronto, pelo menos eu posso adaptar o nome no meu texto, ok?).

Por outro lado, me agrada muito o aspecto visual das animações da Família Addams. O design dos personagens segue à risca os modelos iniciais, e que acredito ser uma boa escolha. A estética escolhida para as ambientações também consegue trazer o contraste para as ambientações — contraste esse quase torturante para a Wandinha, o que também é um acerto.

Família Addams 2: Pé na Estrada poderia até ser um bom filme para ser visto com a família, mas perde muito do seu charme ao contar uma pseudohistória com o auxílio de pseudopiadas. As que encaixam são infelizmente escassas e outras perdem-se por se voltarem muito ao regionalismo. Pelo menos me deu a desculpa de poder chamar Wandinha de Quarta-feira.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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