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Deslocado Evan Hansen


É tentador olhar para Querido Evan Hansen e se deixar levar pela magnitude do sucesso do musical base na Broadway. As músicas tratam de forma cirúrgica um tema relevante para a atualidade e trazem pertinentes críticas e comentários sobre o estado de saúde mental dos jovens, com breves acenos à influência das redes sociais neste contexto. O que, então, uma adaptação para o cinema poderia trazer para esta experiência em uma nova forma, uma apresentação diferente? Estranhamento e confusão.

Quando fiz uma primeira análise sobre esta metragem caí na armadilha do resquício da emoção contida nas diversas horas que passei ouvindo a trilha de Dear Evan Hansen. E aqui vale destacar o primeiro parágrafo do meu texto.

Você já sentiu como se ninguém estivesse presente? Você já se sentiu esquecido no meio do nada? Você já sentiu como se pudesse desaparecer? Como se você pudesse cair e ninguém fosse ouvir? Se algumas dessas questões, retiradas da música showstopper “You Will be Found”, de Dear Evan Hansen, faz você lembrar-se de algum momento sombrio e desamparador da vida, você vai entender sobre o que este filme, que adapta o aclamado musical da Broadway de 2015, se trata. E por que a mensagem dele é tão marcante.

Como dito, é tentador se deixar levar por essa magnitude. Eu claramente pensava no musical. Em como aquelas canções trazem algo sutil nas reflexões acalentadoras sobre nossa situação contemporânea. Mas a mesma lógica dessa análise prévia pode ser posta em frente a como as escolhas da composição técnica do filme ocasionam em uma obra confusa e uma experiência no mínimo esquisita. É também algo marcante como Querido Evan Hansen não sabe abordar seu conteúdo utilizando-se da forma cinematográfica. Pelo contrário; nesta tentativa, evidencia ainda mais uma indecisão incômoda e deslocada de uma discussão instigante.

E ao meu ver o principal estranhamento, aqui, pouco tem a ver com o tão criticado figurino das roupas de adolescente no corpo de adulto de Ben Platt (Evan Hansen). Isso me incomodou pouco, ainda que em momentos essa percepção seja gritante pelo famigerado ‘vale da estranheza’. Creio que parte disso tenha a ver com a natural diferença entre ver o ator mais “de perto”, e imagino que essa sensação poderia ser muito bem sentida caso o espectador estivesse na primeira fileira do Music Theatre Box também.

Confusão

O novo filme da Universal passa uma impressão de que não sabe qual ângulo deve orientar a rota de sua história e comete erros crassos em momentos relevantes para o entendimento dela. Por momentos há uma escolha em cortes rápidos — nos momentos iniciais, principalmente quando seguimos Evan — a fim de evidenciar o estado mental do garoto, ansioso à beira do desespero; para depois termos passagens mais tenras, preocupadas em dar uma mínima harmonia ao drama trazido por suas letras. Por outros, essas decisões parecem ser desprezadas e há um misto quase caótico na montagem — independente da sensação proposta pelas passagens, sejam elas musicais ou mais melodramáticas.

Aqui também pode ser encontrado uma estranha mistura dessas cenas, quando cortes mais frenéticos são acrescentados a um momento dramático de forma a simular a experiência do teatro, mas que acabam tornando-se uma compilação de close-ups extremos involuntariamente bregas — principalmente os que focam aspectos específicos das redes sociais.

Me refiro especificamente à passagem de “You Will Be Found”, quando o tocante depoimento de Evan toma uma proporção viral e a metragem nos mostra esse desdobramento com close-ups de redes sociais, visualizações, likes, depoimentos de pessoas que viram e indicam o vídeo, até que tudo vire um mosaico com o rosto de Connor Murphy. O que no teatro é feito com projeções em elementos do palco e atores, figurantes, e por aí vai, trocando de posição e malabarizando as letras, aqui é colocado da forma mais cafona possível.

É nesse uso extremado de close-ups especificamente para acrescentar o elemento da influência das redes sociais na vida dos personagens que o filme demonstra uma outra prova de como não consegue definir uma identidade importante para sua mensagem ou história. Parece um elemento que mais simplifica e minimiza a discussão e seus desdobramentos.

O caso fulcral desse desleixo se dá quando, na carta de Evan Hansen, elemento principal da história (e que inspira o próprio título das obras) há uma escolha por apresentar o texto em um voice-over de Ben Platt com uma montagem de várias passagens do cotidiano do protagonista, causando uma incômoda distração durante toda sua leitura. Essa passagem mostra-se ainda mais frustrante quando, ao longo de toda a história, os personagens referenciam a carta e seu conteúdo, para apenas apresentá-la de novo — e ainda de maneira breve — mais para frente. O que gera uma certa confusão ao leitor que, se distraído por meros segundos, pode perder-se na discussão proposta pela obra.

Felizmente ainda existem as músicas, que em boa parte conseguem ser agradáveis — quando não são levadas à mão da edição ou do vício da direção de Stephen Chbosky (Extraordinário, As Vantagens de Ser Invisível) — e dão uma faísca de beleza dentro do filme. Faísca essa que me levou a lembrar do musical por muitas vezes e ignorar uma miríade de tentativas falhas para uma discussão relevante, criando uma experiência agradável nestes momentos.

Se o musical nos conta a história de como esse jovem desajustado errou na intenção de escapar dos seus problemas e beirar a criação de um mundo fantasioso, o filme nos apresenta esse conto de forma paralelamente incômoda. De maneira que acaba se confundindo sobre qual forma seria a melhor escolha para contar aquela história para discutir suicídio, depressão e ansiedade, a metragem mostra o prejuízo de sua indecisão em momentos essenciais. Querido Evan Hansen, fizeram um filme ironicamente tão deslocado quanto você.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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