O jogador habitual de Fortnite que abrisse o canal do Youtube do seu jogo favorito no dia 13 de agosto de 2020 veria um vídeo e certamente não entenderia absolutamente nada. Nesse anúncio de 48 segundos, a Epic Games fez uma paródia com a clássica propaganda da Apple, anunciada no SuperBowl de 1984 e inspirada no livro de George Orwell. O intuito da propaganda à época era passar uma mensagem de que, com o lançamento do primeiro computador da empresa, o Macintosh, todos estariam “libertos” do cerco da IBM, até então líder do mercado. Convenhamos, a maioria do público de Fortnite está inclusa numa faixa etária que não faz a mínima ideia de que isso aconteceu.
Nesse mesmo modelo, os desenvolvedores e publicadores de Fortnite colocaram um homem com uma cabeça de maçã projetado em uma tela enorme bradando seu discurso autoritário — em uma referência tanto ao Big Brother de Orwell quanto à propaganda da Apple — , hipnotizando os personagens do jogo até a tela ser quebrada com com a seguinte mensagem: “A Epic Games desafiou o monopólio da AppStore. Em retaliação à Apple, está bloqueando o Fortnite de bilhões de dispositivos. Junte-se a batalha para impedir que 2020 se torne 1984” e, em seguida, uma hashtag, #FreeFortnite, tratando o jogo como algum preso político em um regime autoritário.
Acontece que o anúncio foi publicado no auge da pandemia no mundo, com a pretensão de usar seu marketing para passar uma ideia distorcida do que era prioridade no momento. Nenhuma novidade na distopia capitalista contemporânea. Quem soubesse das entranhas, no entanto, certamente conseguiria ver que, no mínimo, era um anúncio desesperado. E o “primeiro” fim desta batalha aconteceu esta semana.
O caso que causou frissom na indústria começou após a Epic processar a Apple e a Google após ambas as empresas terem tirado o carro-forte da empresa, Fortnite, das lojas de aplicativos dos dispositivos das companhias. A alegação principal da Epic é que as empresas buscam ter o monopólio do mercado ao controlar operações dentro dos aplicativos com demandas draconianas. Mais especificamente, o controle de compras dentro do Fortnite. Como o jogo é gratuito, a principal fonte da massiva renda dele se dá por esse tipo de operação, o que explica a magnitude da resposta da desenvolvedora.
O jogo foi removido de ambas as lojas após a Epic oferecer um modo alternativo de pagamento dentro do aplicativo de Fortnite, a fim de driblar essas amarras. E foi retaliada com a remoção do game dessas lojas. No processo, a Epic alega inclusive que a Apple beneficia outras companhias — como Amazon, Nike, Best Buy, McDonald’s — a fazer o mesmo que o jogo pretendia: pagamento direto sem intermediário da loja.
Durante o julgamento, ocorrido em maio, alguns pontos sobre como operam as companhias dentro deste cenário foram expostos. O primeiro — e um pouco previsível — é o fato de que Fortnite é responsável por todo o lucro da Epic Games, com uma receita de U$ 5 bilhões em 2020. O fator mais curioso é que a Epic Games Store, queridinha dos jogadores por distribuir mensalmente títulos de graça, deve registrar prejuízo de U$ 719 milhões até 2027.
Outro demonstrativo relevante foi uma enxurrada de anexos ao processo que mostrava negociações da Apple com companhias a fim de beneficiar e dar concessões dentro da loja de aplicativos, como publicidade em lançamentos de dispositivos da empresa ou a possibilidade de colocar os aplicativos dessas empresas na primeira página da App Store.
Durante o primeiro dia de julgamento, feito através de uma linha telefônica, vários fãs — principalmente de Fortnite — conseguiram invadir as ligações e proferir palavrões e bravatas contra produtos da Apple.
No domingo passado a juíza Yvonne Gonzalez-Rogers definiu que a Apple não poderia impedir que os aplicativos dentro da App Store ofereçam métodos de pagamento direto e deu 90 dias para que a medida entrasse em vigor. Permitiu ainda que a Apple continue cobrando comissões de 15 a 30% sobre operações dentro de aplicativos de sua loja. Quanto ao mérito, a magistrada definiu que a prática da Apple não configura monopólio, não havendo violação de leis ‘antitruste’ dos EUA.
O gosto foi amargo para a Epic também. Ela foi obrigada a pagar uma multa de 30% da receita com os métodos alternativos de pagamento — algo em torno de U$ 3,5 milhões. Segundo a juíza, foi uma quebra de contato por parte da desenvolvedora.
Após a decisão, o CEO da Epic tuitou que ainda estaria “determinado como sempre a continuar a lutar até que haja liberdade genuína de desenvolvimento e de consumo em software, e concorrência leal em cada componente de software de plataforma móvel”, sinalizando que ainda há muito pano para manga dentro dessa história.
Álvaro Viana
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