Se você assistiu ao excelente documentário Duna de Jodorowsky (2013) deve ter notado que o projeto foi resultado de uma paixão quase visceral do diretor e artista Alejandro Jodorowsky para dar vida àquela ideia. Como o tempo mostrou, o projeto não foi para frente. Pelo contrário. O filme de 1984 rejeitado pelo próprio diretor, David Lynch, foi um dos maiores vexames da história. O que nos traz a 2021.
Se Jodorowsky tinha sua visão de como abordar a obra, de forma mais metafísica e filosófica, Denis Villeneuve, sem qualquer surpresa, coloca um personagem perdido — quase desconexo daquele ambiente — e usa isso como o fio condutor da sua narrativa, cujo principal objetivo é entender o lugar daquele indivíduo no universo e, claro, utilizando imagens lindíssimas durante o processo. Onde eu estava? A Chegada? Blade Runner 2049? Sicario? Ah sim, Duna!
Em Duna de 2021, acompanhamos o jovem Paul, da Casa Atreides, em sua mudança para o planeta Arrakis, a mando do Império Galático. Em meio a intrigas políticas e uma história que quase brinca com o messianismo, cabe ao personagem encontrar quem ele realmente é em um lugar absolutamente novo.
O longa é nada menos que lindíssimo. Villeneuve e equipe utilizam cenas de estabelecimento — como a chegada da comitiva imperial na casa dos Atreides, ou o percurso das Bene Geserit até o local — para ambientar um mundo interessantíssimo, vasto e ameaçador. A cada nave com desenhos peculiares ou arquiteturas diferenciadas — mérito total do design de produção — , o filme dá um lembrete aos espectadores de que se trata de uma saga de proporções épicas. É por conta disso, e do que falaremos mais para frente, que não julgo quem comparar esse filme com o Senhor dos Anéis. Faz algum sentido.
Além disso, não é apenas o que está sendo mostrado que instiga o espectador, mas também a cinematografia permite que a noção de proporção daquele mundo seja constantemente reafirmada, como as naves de proporções planetárias ou os próprios vermes de areia. As montagens funcionam muito bem para dar uma noção de como aquele universo é acachapante, quase opressor ao jovem Paul Atreides. Não é à toa que o personagem é constantemente colocado distante dos seus pares nos enquadramentos, dando uma impressão de que o coitado só vai conseguir ter amigos nos subalternos do pai. Seu próprio figurino conta uma história — fica a dica para você que ainda vai ver.
Da mesma forma, o design de som e a trilha sonora contribuem muito para construir a magnitude épica daqueles eventos. Em certos momentos, curiosamente lembra a trilha de Blade Runner, ao misturar elementos do mundo com a própria trilha — como a chegada dos Atreides em Arrakis. Além disso, os sons das naves, ou pequenos detalhes — como o duque ligando seu campo gravitacional — dão a impressão de que estamos em outro tempo, em outros planetas.
É por isso que, a partir da metade do filme, quando já estamos ambientados e toda a excitação com as novidades já foram assimiladas, o filme passa a ter um ritmo tedioso. Seja pelo momento da história — o que é compreensível — , ou pela decisão de dividir a obra de Frank Herbert em outras rodagens, o longa perde muitos de seus aspectos positivos, principalmente quando dá lugar a decisões incompreensíveis.
É caso do excesso de cortes para alucinações e passagens oníricas de Paul Atreides, ou a decisão de longas cenas ambientadas no deserto. Sim, é Duna. É inevitável, mas o sentido aqui é que, em comparação aos estabelecimentos épicos, portentosos, nos momentos iniciais do filme, esses períodos conseguem ser um balde de água fria.
Até mesmo a possibilidade em “economizar” conflitos para utilizá-los em uma provável sequência pode até fazer sentido, mas não minimiza a chatice dos momentos finais. O que faz com que, inclusive a última cena, seja um tanto anticlimática.
É curioso notar como Villeneuve limitou seus cacoetes (tipo o uso simbólico de cores para destoar personagens daquele mundo) para contar uma história sem dar espaço a muitas falhas, utilizando do seu talento para criar passagens lindíssimas — o que não cansarei de dizer — e estabelecer um messias solitário e perturbado. Porém, novamente, aqui a limitação não parece ser criativa.
Em se tratando de Duna, como já vimos, tudo pode ter acontecido e, infelizmente, isso novamente pode ter prejudicado uma prospecção de uma adaptação mais do que merecida para os leitores — ou os simplesmente fãs de sci-fi.
Seria fácil demais dizer que a lamentação ocorre pelas diversas intervenções de estúdio nessa adaptação, ou a tristeza de não poder ter visto a interpretação caleidoscópica de Jodorowski para esse universo. Convenhamos que tudo isso também teve seus pontos positivos, como o próprio documentário mostrou. Pessoalmente, após ver Duna de 2021, eu prefiro acreditar na esperança de que as metragens seguintes de Villeneuve consigam ser ainda melhores.