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Coda: Quando o silêncio mostra mais


Chega a ser trivial dizer que não é surpresa a grande repercussão causada por Coda no festival de Sundance no início deste ano, ao ser celebrado com a premiação do público e do júri. Ainda neste contexto, a adaptação do filme francês A Família Belier (2014), teve seus direitos comprados pela Apple, o que agora pode significar que a metragem será um dos carros-chefe da companhia para a temporada de premiações.

É também tão ou mais trivial dizer que nenhum desses eventos é fato isolado, resultante do acaso ou algo dessa natureza; isso porque Coda é sem sombra de dúvidas um dos melhores filmes deste ano.

Através da direção de Sian Heder, que também assina a adaptação do roteiro, acompanhamos a história de Ruby, a única pessoa ouvinte em sua família surda. Ao longo da rodagem vemos — e sentimos, precisamente — a carga atrelada aos ombros da garota, que ajuda no negócio de pesca gerido por sua família, serve como a intérprete de ASL (American Sign Language — a LIBRAS dos EUA) dos três membros, e neste contexto, ironicamente descobre a sua paixão pela música.

O maior mérito presente em Coda está no equilíbrio. Não só pelo que julgo ser um encaminhamento proposital da equipe técnica em ter quase a metade da metragem inteira sido realizada em ASL, mas por como esses momentos são utilizados para convidar o espectador a sentir-se um pouco mais próximo do cotidiano da família Rossi e, naturalmente, de Ruby. É também equilibrado na adaptação do texto original para a nova versão, mantendo o timing cômico preciso e uma construção de personagem completa, pontos apoiados pelos bons diálogos e ótimas atuações.

A escrita para esta versão consegue trazer à obra o senso de vivência de seus personagens — por exemplo em passagens entre o irmão e o pai de Ruby nas negociações no Porto e o subplot de como a família irá lidar com isso, na dinâmica do lar dos Rossi para denotar a pressão vivida pela garota, ou até mesmo nas passagens pela escola e o contexto de seu alívio dentro das aulas de canto.

É por meio dessas escolhas acertadas que um outro aspecto ganha destaque. A montagem do filme contribui para dar vida ao ritmo eficaz pedido pelo roteiro, por vezes balançando para o lado da comédia, — por exemplo nos diversos momentos em que a descontraída família de Ruby lida com o mundo “externo” ou em seu próprio convívio — ou para o drama e momentos mais íntimos de seus personagens.

É aqui que Heder e equipe acertam em saber precisamente quando remover o som ou quando retorná-lo, criando um contraste instigante e divertido para quem já está cativado por aquele pedaço de experiência da família Rossi. Essa exatidão na escolha dos momentos faz com que tenhamos desfechos cômicos ou dramáticos memoráveis — como a cena de Ruby com os pais no médico ou cena do concerto e a passagem subsequente.

A demonstração de como as escolhas são acertadas na montagem de Coda também é refletida em seus diálogos. Passagens dramáticas como a conversa entre Ruby e a família ganham destaque neste contexto. Tudo isso auxiliado também pelo ótimo trabalho de Emilia Jones, que não só consegue transitar entre a dramaticidade e o humor nas cenas, como entre os momentos de diálogo falado e ASL.

A química entre Jones e os pais, Jackie (Marlee Matlin), Frank (Troy Kotsur) e Leo (Daniel Durant) Rossi é doce e engraçada, outro ponto alto. Aqui vale ainda o destaque para Eugenio Derbez e seu retrato do petulante professor de música, Bernardo Villalobos.

O mais curioso é que grande parte desses aspectos contribuem, ainda que inconscientemente, para que o espectador sinta-se na pele de Ruby. É ela o ponto de equilíbrio da família, cabe a ela a decisão entre ajudar os negócios de sua família ou seguir seus sonhos. A escolha entre o som e o silêncio. E o filme mostra isso de uma forma impecável.

Coda acerta precisamente ao entender sobre o que é a sua história e como apaixonar o espectador ao longo de seu relato. É sem sombra de dúvidas um dos filmes essenciais de 2021; espirituoso, lindo, íntimo… absolutamente apaixonante.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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