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Dramas reais: os invisíveis do século XXI

Após a crise financeira mundial, em 2018, e o avanço das redes sociais em seguida, o mundo parece ter entrado numa espiral de dúvidas e incertezas. Com a pandemia, ficaram expostas as várias feridas psíquicas que carregamos no processo.

Da impossibilidade de termos alguma previsibilidade ou senso de estabilidade, até as turbulências políticas e econômicas que causam dor a tantos, fica claro que passamos por um momento de ruptura em relação ao modo de vida de outrora.

É nesse contexto que várias obras têm sido lançadas nos últimos anos, mostrando as consequências de um capitalismo selvagem na vida das pessoas comuns. Aqui falaremos de duas que retratam, particularmente, a falta de amparo na vida dos mais vulneráveis.

Em Maid, lançada recentemente pela Netflix, acompanhamos um retrato comovente de uma jovem de 25 anos que, para sair de um relacionamento abusivo, decide fugir com sua filha para tentar uma vida melhor.

A partir daí encara alguns dos piores problemas que podemos passar: a falta de empregos qualificados, problemas de assistência social, burocracia estatal e falta de suporte familiar. Para mim, esse conjunto de elementos torna esta minissérie dramática num terror sem precedentes — simplesmente porque essa perspectiva é infinitamente mais realista se comprada à probabilidade de sermos possuídos por um demônio.

Na história, a mãe solteira Alex (Margaret Qualley) precisa encontrar uma renda para que ela e sua filha sobrevivam. Passa a trabalhar, então, como uma empregada doméstica em uma agência. Recebe por trabalho, limitados a 30 horas semanais e em condições precárias de trabalho.

A minissérie, baseada em uma história real, contudo, vai além da crítica social, que não domina o tom da obra. Ela fala, principalmente, sobre as pessoas que temos ao nosso redor, participam de nossa vida e que nos ajudam nas horas mais difíceis.

É, acima de tudo, uma lembrança de mais importa quem está conosco na trincheira, do que a própria guerra. O problema que Alex passará a solucionar é, portanto: e se não tivermos ninguém para ficar conosco nessa trincheira?

Onde está você?

Esse questionamento remete diretamente à obra de Ken Loach, cineasta britânico, de esquerda, e que baseou sua trajetória em contar a história dos invisíveis, dos proletariados.

Em sua obra mais recente, Você Não Estava Aqui (2019) — celebradíssimo pela crítica — Loach avança mais ainda em questionar os efeitos dos avanços tecnológicos sobre a camada mais vulnerável da sociedade.

Ricky (Kris Hitchen) interpreta um pai de família, sempre no aperto, que decide trabalhar como entregador “autônomo” numa empresa que atende gigantes da tecnologia como Amazon, Apple e afins. Neste caso, tempo é literalmente dinheiro — ao passo dos entregadores não terem tempo nem mesmo de fazer xixi, para não colocar as metas em risco.

Sua ausência é sentida por toda família. As jornadas que superam 14 horas diárias, a impassibilidade do empregador sob as demandas pessoais dos trabalhadores e a falta de resguardo social, apontam para um futuro que já chegou e, que, na realidade já causa muitos impactos.

E Loach é muito feliz aqui em mostrar que, num mundo dominado por dados, humanos tornam-se meros números num algoritmo.

Essa leitura nos permite deduzir o propósito do cineasta ao abordar esse tema: o Reino Unido decidiu na Justiça que trabalhadores “autônomos”, que doam seu suor para empresas como Uber, Amazon e outras, têm sim vínculo empregatício — e merecem ser tratados com a mesma decência que trabalhadores formais.

Mas, apesar de Loach sempre optar por temas densos, sua obra também exalta a importância de termos pessoas e trincheiras a nosso lado. No caso de Ricky, o protagonista, essa foi sua ruína; pois, para Alexes e Rickys da vida, o bem-estar é simplesmente sorte, e não uma opção.




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