É impossível não associar Old Henry com Red Dead Redemption 2. Imagino que você não vá achar isso muito comum, mas na crítica que fiz do jogo, me dei a liberdade usar o título ‘crepúsculo’ do velho oeste. Isso porque a obra dá essa ideia tanto em detalhes dos cenários quanto a própria progressão desses aspectos, os personagens, e por aí vai. Apesar das respectivas diferenças, o filme dirigido por Potsy Ponciroli aborda a mesma temática pretendendo um estudo de personagem quase metafórico sobre o período histórico.
Antes de iniciar esta crítica, acredito caber a indicação para que você assista esse filme sem ter visto qualquer trailer, entrevista ou afins. Parece-me a maneira mais genuína de aproveitar o que a metragem constroi desde os minutos iniciais ao abordar a vida quase bucólica do velho Henry (Tim Blake Nelson) e, mesmo com a companhia do filho Wyatt (Gavin Lewis), absurdamente solitária.
É uma abordagem intimista e consciente, que não está preocupada em apressar qualquer aspecto da narrativa ao introduzir seus personagens. Assim como o período que o filme se propõe a retratar, ao início do século 20 e fim do velho oeste, somos apresentados ao personagem, sua rotina, e a relação com o filho de forma quase tão paulatina quanto a rotina daquela pacata fazenda em que ambos vivem.
Este sentimento e contraste ficam ainda mais evidentes na escolha da obra em representar cenas de estabelecimento com belos cenários externos. Verdes, banhados por névoa e calmaria, pradarias com cores mais vivas, e tons mais varridos na maior parte das passagens do interior da fazenda. É assim que conhecemos Henry, um fazendeiro que já perdeu sua esposa, cuida do filho adolescente e, assim como o próprio período, esconde um passado claramente ligado ao ideal romantizado de roubos, tiro e… mais tiros? É também como entendemos o desejo conflituoso de Wyatt em sair daquela vida pacata e viver aventuras dignas dos heroicos pistoleiros desse período.
Quando um cavalo solitário ainda selado aparece em frente a ambos e dá a motivação para o arco principal da história, as reações dos personagens não poderiam ser tão dissonantes — mérito do roteiro. É quando o espectador percebe o quão distante é a relação entre pai e filho, auxiliado pela montagem visual das cenas. Nos momentos iniciais Henry sempre está de costas para o seu filho, para apenas posteriormente, durante uma cena de quase-tortura de outra pessoa, fazer contato visual com Wyatt pela primeira vez na rodagem.
É evidente que a produção não incentiva a interpretação errônea de que exista qualquer resquício de romantização do velho oeste ao não poupar em mostrar cenas viscerais principalmente parte de afazeres do cotidiano de uma fazenda. É cru, é sujo, cansativo, e por vezes, quase que como um ar de ironia, alívio, ou prospecção de Wyatt, é bonito — apenas nas passagens externas.
Por vezes, essa escolha narrativa pode se tornar entediante, principalmente pela proposital falta de química quase dicotômica entre Gavin Lewis e um Tim Blake Nelson que é quase o completo oposto de todos os seus papeis anteriores em westerns dos irmãos Coen. Aqui aparece muito bem, com uma aura cansativa, denotada na postura, no olhar e no jeito turrão mas lento e cadenciado. Até a forma como ele se move em determinada cena mais para o fim do filme, durante um tiroteio, é no mínimo peculiar.
Aqui há ainda uma metáfora espacial que intensifica essas sensações da atmosfera entre pai e filho. Ao mostrar Henry, ou Wyatt, emoldurados pelo portal de entrada da fazenda, com a pradaria em cores vivas no fundo, a metragem convida o espectador a entender aquele contraste. Em um momento, aquilo significa o desejo reprimido do filho, apertado pela moldura da própria porta e a prospecção de seu desejo logo à sua frente; em outro, é quase um estopim para ele, quando seu pai lhe chama para dentro. Em um terceiro, serve para dar ainda mais significado para a cena final e, consequentemente, à proposta do filme como um todo.
É curioso ainda como o uso do foco da câmera em determinados momentos também reforçam essa noção, ao expor o arredor de Henry em um desfoque que quase grita cansaço. Apesar disso tudo, o evento que trilha a história para os momentos finais e as motivações não parecem ser tão convincentes quanto a abordagem mais terrena daquelas vidas ou de suas rotinas, o que pode gerar uma certa distração.
Todavia, é em seu terço final que a rodagem consegue resgatar a empolgação desgastada pelos momentos de uma narrativa mais cadenciada. Momento apoiado principalmente pela sequência final, que desemboca em um belo diálogo que apenas cristaliza ainda mais a noção de que aquele período está, de fato, em uma descendente.
Old Henry é um ótimo estudo de personagem, apoiado pelo excelente Tim Blake Nelson, pela precisa direção e uma cinematografia consciente que toma uma decisão não muito convencional ao optar por uma narrativa lenta, porém não menos proveitosa. Escolha que, por outro lado, pode não agradar a todos, mas recompensa belamente o espectador interessado por aquela persona aparentemente normal, que poderia muito bem ser nomeada Velho Oeste.