Se tivesse que apontar um ponto fundamental para esclarecer o que faz uma obra ser atraente ou não este seria a capacidade de traduzir aquilo que nós desconhecemos. Do assunto mais trivial, como amores proibidos, até o tema mais longe da realidade, como o sobrenatural, a sensação de estranhamento familiar pode ser poderosíssima.
O gosto pelo desconhecido, e por vezes até pelo que é mórbido, nos seduz por justamente refletir o que temos como bagagem de vida: experiências positivas, negativas, sonhos, medos e frustrações. É um ponto de conexão infalível que podemos ter com diversos personagens, em diferentes mídias e variados assuntos.
Mas quando falamos sobre mercado financeiro, talvez nenhum assunto hoje cause tanto fascínio e conflito. É um mundo tão exclusivo e que impacta tanto direta ou indiretamente o nosso cotidiano que acaba servindo como uma ponte entre a realidade e o inalcançável para a maior parte das pessoas.
Desde a crise global de 2008, não foram poucas as obras que tentaram traduzir esse universo para as telas. Outros filmes, por sua vez, tentaram mostrar os reflexos do evento e da automação da economia no emprego e na vida das pessoas comuns.
Em “Lobo de Wall Street” (2013), por exemplo, Martin Scorsese ataca com um olhar cínico para personagens niilistas e desconectados da realidade para fazer uma crítica à selvageria do capitalismo.
Já em “Eu, Daniel Blake” (2016), de Ken Loach, acompanhamos as dificuldades daquelas pessoas “invisíveis” e ignoradas pelo próprio estado, num reflexo das agruras de gente batalhadora que tenta sobreviver em um contexto em que a moeda é o que te define.
E chegamos, finalmente, em Industry, série produzida pela HBO em parceria com a BBC Two, que mostra o cotidiano de jovens adultos que acabaram de chegar em um banco de investimentos do Reino Unido.
O grande mérito do seriado é mostrar o choque geracional dos jovens nesse sistema desigual, insano e cruel que é o mercado financeiro. São indivíduos com personalidade única e que fazem parte de uma geração que luta sempre por um senso de propósito, com uma reflexão mais abrangente que o dinheiro é incapaz de comprar.
Industry é um retrato dos tempos e da batalha da juventude hoje, meio à selvageria do sistema financeiro: a luta permanente por melhor posicionamento no mercado – custe o que custar -, da busca incessante por segurança e um futuro promissor.
É uma serie que define tanto seu tempo como as outras duas citadas anteriormente: Scorsese mostrou com doses cavalares de cinismo o sucesso a qualquer custo; Loach mostrou como é perigoso envelhecer em nosso mundo.
Em Industry, contudo, sai o cinismo e o pragmatismo niilista para dar lugar a um olhar mais alentado para os efeitos desse mundo que se apresenta – e aquele que se encerra - entre esse grupo de jovens.
Um mundo que se encerra porque o seriado foi filmado no verão do ano passado e não captou o mundo baqueado e despido diante da pandemia da Covid-19. Assim, a série dá um gostinho de quero mais. Não por ser ruim, mas por não ter tido chance de retratar os dramas do novo mundo que vivemos hoje.