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Hades brilha ao desconstruir o gênero roguelike


A sequência Supergiant Games é um exemplo claro de como algumas – raras - companhias conseguem cristalizar em seus jogos um DNA próprio e em alguns casos destacar-se até mesmo em nichos muito específicos como é o caso dos “roguelikes” – explicação abaixo. Vai além, todavia. Não só a implementação de um DNA próprio, como em muitos casos bem polidos e chamativos, em muitos casos resultando em um avanço para esses gêneros. 

O mérito de Hades acontece nesse sentido, uma vez que a empresa consegue equilibrar duas características que parecem diametralmente opostas a roguelikes: de um lado o equilíbrio das aleatoriedades em poderes e níveis atreladas ao combate, e de outro a possibilidade de haver uma história clara que não foge às características nem passa a ser ambígua. 

O boom dos jogos indies, impulsionado pelo avanço da distribuição de jogos nos idos de 2007 – tanto em lojas para PC como na própria outrora Xbox Live Arcade do Xbox 360 – trouxe consigo diversas inovações. Uma delas, talvez não estritamente exclusiva à época, mas popularizada naquele momento foi a dos roguelikes. Jogos que primam pela repetitividade sem torná-los cansativos, usando-se da geração aleatória de elementos do cenário, inimigos, e power-ups para tornar cada novo jogo uma experiência minimamente diferente. 

É com base nessa estrutura que a obra da Supergiant cria o ambiente, fazendo-nos tomar o papel de Zagreus, filho de Hades, que tem a ânsia de fugir das camadas do inferno baseadas naquela mitologia grega a fim de alcançar o monte Olimpo. Assim, a jornada de Hades conta com o auxílio de presentes de deuses aliados, que funcionam no jogo como as melhorias das habilidades do protagonista.

É esse o primeiro dos diversos demonstrativos de como os desenvolvedores conseguem mesclar a narrativa com a estrutura jogável de Hades. Assim que Zagreus recebe um presente há um diálogo com a deidade, fazendo o paralelo entre as duas características. Isso é amplificado também à possibilidade do jogador entregar oferendas às entidades, o que libera opções de diálogo e, mais tarde no jogo, é possível acompanhar a progressão de “afinidade” do protagonista com os deuses.

Cada aspecto do jogo também parece beber dessa mesma fonte. É comum observar pontos específicos do cenário, itens, e as próprias armas que vão sendo liberadas contém informações adicionais à história. Além disso a programação do jogo parece saber amplificar a ambientação fazendo com que os diálogos dos personagens respondam à progressão do jogador na própria fase, eventualmente possibilitando inclusive a junção entre os poderes de deuses do Olimpo diferentes.

Essas características lembram muito Binding of Isaac, para ficar num exemplo só, porém com o diferencial de que aqui as conclusões são mais objetivas e menos ambíguas – algo que é inclusive a proposta de Isaac. 

DNA

Não é surpresa, no entanto, chegar à conclusão de que a mesma desenvolvedora de Bastion e Transistor continue apoiando-se de características comuns aos títulos da empresa. Aqui, o já clássico Logan Cunningham continua brilhando com um aspecto que se mostra desde o primeiro jogo da empresa, porém mais velado, de fazer a narrativa se “misturar” com o que está acontecendo no jogo, algo que darei a liberdade de chamar a quebra de meia-quarta-parede?

Também está presente em Hades a chamativa e característica paleta de cores da Supergiant, que enriquece os já muito bem feitos cenários e design de personagens. Outro aspecto peculiar da empresa é mostrado após zerar o jogo pela primeira vez, abrindo a possibilidade do jogador personificar os níveis de dificuldade do jogo, dando a liberdade do jogador experienciar as frustações da forma como achar mais conveniente.

Por último há o que considero até mesmo um avanço. O combate de um jogo da Supergiant nunca se mostrou tão flúido quanto em Hades. É isso que faz com que a experiência repetitiva dos roguelikes se torne mais empolgante, justamente o segredo do subgênero, por atrelar a sensação de recompensa dos poderes que vão sendo escolhidos pelo jogador à própria recompensa imediata do combate. 

Talvez haja aí uma suspeição. Minha primeira análise de um jogo foi de Bastion e eu nunca havia jogado algo parecido, o que fez meu olho sempre estar atento à Supergiant Games. Hoje em dia, no entanto, considero que eu não estava errado. Desde então a desenvolvedora californiana mostrou-se uma das poucas (palavra pra pivo, destaque) na indústria. 

Hades prima em tudo ao que se propõe. É impecável ao dissecar a estrutura de um roguelike para misturá-la a uma história tão interessante quanto sua jogabilidade, resultando em um dos principais títulos não só de 2020 mas como do próprio subgênero.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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