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Lamb e a mitologia contemplativa

Eu presumo que demore mais alguns dias para eu afirmar que eu gostei de Lamb. Mas o ofício me obriga a escrever esta crítica logo após a rolagem dos créditos. Sendo assim, posso afirmar que há méritos significantes que me chamaram bastante a atenção, de fato, mas um incômodo grande pela forma como o potencial dessa história é descartado.

Parte da experiência estabelecida pelo diretor Valdimar Jóhannsson irá, deliberadamente ou não, deixar o espectador submerso em dúvidas assim que os créditos subirem. Acredito, inclusive, que uma mini-leitura sobre a simbologia das ovelhas e cordeiros na mitologia possa ajudar a compreender qual era o norte de Jóhannsson ao conceber uma história tão esquisita. É sempre bom ver alguém tentar fazer algo novo. Mas aqui, o principal pecado está em um ritmo inicial que dá pra entender a intenção pretendida, mas para minha experiência, acaba tropeçando em uma redundância visual preferida ante a diálogos ou composições mais rápidas e informativas.

Isso pois há um evidente problema de ritmo quando o filme aceita levar quantos minutos for necessário para estabelecer uma cena, seja em um estabelecimento ou o foco em personagens. Em vez de instigar o espectador com esses outros elementos que comentei acima, há uma busca quase metódica em trazer sequências do marasmo angustiante da vida daquele casal — principalmente nos minutos iniciais — da forma mais crua possível. 

Isso é inclusive preciso principalmente nos momentos em que o diretor consegue trabalhar bem os espaços na cinematografia, desenhando um mundo que está sempre quase engolindo os seus protagonistas em um luto incessante. No entanto, rapidamente essas composições acabam sendo mais redundantes do que trazendo alguma informação nova para o espectador. O que, neste contexto, atrapalha uma narrativa que poderia ser muito bem aproveitada dada a sua esquisitice.

Folclore

Talvez você queira ler esse parágrafo caso deseje ver Lamb com um certo background sobre a mitologia de ovelhas (não que seja algo da minha expertise, eu peguei tudo da internet, OK?). 

Logo ao início o filme indica uma ligação muito clara dos eventos da metragem com o natal. Para o folclore principalmente da região setentrional da Europa, onde as criações de ovelhas e cordeiros é mais comum, diz-se que todas as ovelhas enfrentam o leste, se curvam três vezes e são dotadas do poder da fala desde a da meia-noite até o nascer do sol.

Em outra relação com um apontamento forte feito pelo filme, a personagem Maria (Noomi Rapace) diz a lenda ainda que Maria roga e protege as criaturas. Além disso, que uma marca negra é colocada contra os fazendeiros ou pastores que fazem mal a elas. Não vou me estender muito mais. Tudo isso para indicar que é claro o preparo mitológico nesse “thriller” da A24, algo que quase virou uma marca da distribuidora, porém tudo isso acontece através de uma lente mais cadenciada e contemplativa pensada pelo diretor. 

Nesse sentido é louvável a forma como a cinematografia estabelece quase que de forma imposta uma certa opressão do próprio ambiente sobre os personagens, e acho interessante a forma como a névoa e os olhares dos animais são usados de forma a instigar o espectador.

Mesmo assim, justamente por conta dessa riqueza que pode ser observada com uma pesquisa básica sobre o tema, a metragem perde uma boa oportunidade de entrar no rol dessas produções da A24 por preferir a abordagem ociosa pela observação à objetividade narrativa “ortodoxa” (com diálogos, passagens mais rápidas e menos redundantes). A própria cena final é exemplo disso e certamente vai ser uma daquelas que o diretor tentará defender em entrevistas que “cabe ao publico” uma interpretação. Clássica demonstração de quem não faz a menor ideia de como acabar com uma história. Eu já fiz isso.

Ainda que por muitos momentos inspire o tédio, principalmente no capítulo 1, a partir dali Lamb consegue manter-se interessante com uma visão própria, que por vezes descarta a narrativa para uma ambientação mais densa (e em momentos apelativa). Infelizmente, o que acontece de mais legal é assim que o filme acaba, inspirar uma exclusiva busca pela mitologia e folclore Islandês e o que as ovelhas têm a ver com isso.

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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