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Casa Gucci: Retalho de luxo

Fazer um filme sobre um grande caso é uma boa ideia por si só. Basicamente todos os elementos estão prostrados na mesa, prontos para serem arrumados, rearrumados, arranjados da melhor forma para contar uma história. O próprio Ridley Scott fez isso — e bem — em All the money in the world, o qual conta o caso do sequestro de Paul Getty em Roma, 1973, resultando em uma interessante experiência. Em Casa Gucci, metragem baseada no romance de Sara Gay Forden, o que parece ter acontecido foi um carinho grande por um projeto que principalmente no encaminhamento final torna-se uma dispersão que prejudica seu resultado dramático.

Não é por falta de roteiro, que à minha experiência consegue introduzir uma boa personagem em Patrizia e Maurizio Gucci (Lady Gaga e Adam Driver), a relação entre eles, os contrastes e conflitos bem pontuados inclusive pela construção visual das cenas — ressalte-se, iniciais— como o primeiro beijo, a primeira casa — e a diferença do luxo com uma vida mais simples em tonalidades mais sóbrias e texturas quase neutras — e, principalmente, a abertura para visitas da trama à mistura incomum entre a tradição familiar, moda e a noção abstrata de um império egoico.  

Mas é quando se propõe a discutir esses temas instigantes tão comuns na obra de Scott é que o filme constantemente traz questões interessantes para logo depois esquecê-las — a temática da pirataria, observações sobre o status da marca ou a discussão sobre o belo e a beleza. 

Isso ocorre principalmente pela montagem do filme, que torna a experiência frustrante principalmente quando essas escolhas dão lugar a um desenvolvimento disperso dos personagens secundários — aqui, Jared Letto e Salma Hayek, principalmente, parecem uma esquisita experiência do que eu ousaria chamar de um insosso recheio narrativo.

A trilha sonora mostra uma outra esquisitice da pós-produção em Casa Gucci, ao não encaixar na maior parte dos momentos. Ainda que dê para a observar a vontade de misturar obras clássicas em momentos simples em alusão ao luxo e músicas mais ‘pops’ da época para o contrário, e usar dessa mistura principalmente no relacionamento entre Patrizia e Maurizio, o filme apenas cria cenas desconexas com uma certa literalidade forçada.

Mesmo assim Driver e Gaga ainda sobressaem esses incômodos e criam, muito por uma dinâmica agradável entre si, grande parte do proveito da narrativa. Me agrada também pequenos toques do diretor em como, principalmente a partir do encontro entre Patrizia e Pina, observa-se o sentido das cores (principalmente o verde e vermelho Gucci) no encaminhamento das cenas. 

Aqui a cinematografia também contribui para a construção desse ambiente imperial da moda, com alguns destaques -- como os aniversários de Aldo e o posicionamento dos convidados em relação ao casal Maurizio e Patrizia, ou o próprio casamento. Por outro lado é uma fotografia que por vezes parece contida tanto quanto o roteiro ao apenas raspar a superfície da questão da beleza, o belo e o status.

Casa Gucci é um daqueles exemplos de como mesmo com um roteiro bem encaminhado a edição de um filme pode ser determinante ao optar por quais cenas ficam de fora, quais entram, e por aí vai. Principalmente em uma trama com um clímax que requer uma carga dramática, no mínimo, tensa, é esse aspecto que a torna um tanto quanto frustrante nos seus minutos finais. Aqui temos o que pode ser suficiente para um divertimento mínimo — o que foi meu caso, eu gostei —, mas é uma obra falha em vários outros aspectos. Um retalho Gucci não deixa de ser um retalho...

Álvaro Viana

Jornalista político, tem 30 anos, apaixonado pelo mundo dos games, cinema, e o ofício de analisar esses temas de forma criativa. Trabalhou com análise de jogos para o jornal Correio Braziliense e outras publicações e edita tudo que você lê neste site. Quando sobra tempo cura memes, reclama no tuiter, e testa novos templates pra loady!

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