A estreia de Lin Manuel Miranda (Hamilton) como diretor surge como um projeto de paixão do criador do musical de mais sucesso da história recente ao criador do musical mais sucesso da história dos anos 1990 da Broadway, Jonathan Larson, a mente por trás do aclamado Rent.
Tick, tick… Boom é um musical quase autobiográfico escrito por Larsen e situa os momentos de reflexões e o processo criativo do autor na semana que antecede seu aniversário de 30 anos. O principal mérito aqui é como Miranda conta com o preciso apoio de um roteiro consciente sobre seu material fonte para criar passagens que convidam o espectador a entrar na por vezes conturbada, sensível, incansável e melancólica vida de Larson.
A escolha de Lin por tentar representar em detalhes (seja por meio de efeitos sonoros, referências em segundo plano) a temática do cotidiano que serve como inspiração para o processo de composição de Larson é um dos méritos do filme. Uma direção contida em se preocupar mais com a maneira com que o roteiro rege sua história do que em elementos muito subjetivos ou simbólicos. Aqui, pelo contrário, a subjetividade é exaltada. É justamente ela que rege a experiência autoral do criador de Rent.
Isso corrobora em passagens quase oníricas como a da excelente música “Sunday”, onde a ironia da letra funciona muito bem com os elementos apresentados dentro da lanchonete, ou a montagem presente em “Swimming” e como a epifania de Larsen é demonstrada visual e objetivamente. São momentos que incorporam muito bem a atmosfera mental de Larsen durante sua vida de forma concisa e permitem a compreensão de que uma boa parte dos pontos mais geniais de sua canção estão em detalhes do seu próprio cotidiano.
Tudo isso é resultado de uma harmonia entre roteiro e a escolha de Lin e equipe em mostrar momentos casuais da vida de Stephen deixando livre ao espectador a possibilidade de ligação entre aqueles acenos e à mensagem ou as referências de suas obras. Óbvia e naturalmente a compreensão mais comum está com o musical Rent e os desafios da vida cotidiana desde contextos menores como a dificuldade econômica do protagonista ou as temáticas tão bem desenvolvidas no musical de 1996, ao retratar a situação da AIDS e como, em tick, tick... Boom! temos uma ideia do que pode ter inspirado um dos pontos mais revolucionários em Rent.
É também claro que para aproveitar a experiência proposta pela obra é necessário uma mínima pesquisa sobre Larsen e suas obras, o que pode limitar um pouco a experiência. É, no entanto, uma ótima adaptação e uma boa estreia de um Manuel-Miranda contido e totalmente ciente do material-base usado para atingir aquele resultado. Me lembra uma certa obra do início dos anos 2010.